Carreira docente
Sete docentes que não entregaram RAD respondem a “sindicância punitiva”, e outros(as) 32 precisaram firmar “protocolo de compromisso”; novo ciclo do PrADo terá início no segundo semestre

Sete professores(as) da USP que não entregaram o Relatório de Acompanhamento Docente (RAD) referente ao período de avaliação coberto pelo seu Projeto Acadêmico Docente (PrADo) estão sendo submetidos(as) a uma “sindicância punitiva” (sic), conforme definiu a professora Rossana Pulcineli Vieira Francisco, presidenta da Câmara de Avaliação Docente (CAD) e docente da Faculdade de Medicina da USP.
Esses(as) docentes receberam ainda em 2024 uma notificação preparada pela Procuradoria-Geral da USP e foram comunicados(as) de que teriam um prazo de 30 dias para entregar o relatório. Caso não o fizessem, seriam objeto da sindicância, explicou a professora já na primeira mesa da reunião temática do Conselho Universitário (Co) sobre avaliação institucional e docente, realizada nesta segunda-feira (23 de junho) no auditório István Jancsó da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, na Cidade Universitária. A reunião teve várias mesas, que foram realizadas ao longo de todo o dia.
Do total de 144 professores(as) notificados(as), sete não entregaram o RAD no prazo extra e agora são submetidos(as) a “trâmite administrativo sob a responsabilidade da Procuradoria-Geral da Universidade”, conforme mensagem assinada pela equipe do Gabinete da Vice-Reitoria (GVR) e enviada em resposta a questionamentos remetidos à CAD pelo Informativo Adusp Online.
O procedimento não é um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), informou o GVR, e “os processos estão em andamento nas devidas instâncias”, prossegue a mensagem, sem dar mais detalhes.
Na sessão do Co, Rossana Francisco afirmou que, nas próximas avaliações, não será concedido o prazo extra. O procedimento foi utilizado agora porque se trata do primeiro ciclo a ser concluído após a publicação da Resolução 7.272/2016, que institui o novo Regimento da Comissão Permanente de Avaliação (CPA).
“Nos próximos processos, os casos de não entrega de PrADo ou de RAD deverão ir direto para a sindicância punitiva [sic]. É importante que todo mundo esteja sabendo, principalmente os chefes de departamento, para pedir ajuda às secretarias de departamento para que todos [os docentes] entreguem”, disse. “Não apresentar o RAD é uma falha grande em relação ao que se espera de um funcionário público, como todos nós somos.”

A mensagem enviada ao Informativo Adusp Online confirma: “Como este foi o primeiro ciclo de avaliação de relatório, conforme previsto na [Resolução no] 7.272, houve possibilidade de conceder novo prazo, pois tratou-se de um processo novo na universidade. Esta previsão só existe para o primeiro ciclo. Assim, nos ciclos subsequentes, esperamos que todos participem (exceto aqueles que estejam impedidos por afastamentos médicos, licenças e outras situações semelhantes). Nos casos em que o docente esteja impedido de apresentar o seu relatório, será concedida nova oportunidade respeitando-se todos os direitos legais”.
Projeto inadequado “atrapalha toda a cadeia”, diz presidenta da CAD
Em 32 casos, de acordo com Rossana, avaliou-se que o RAD não atendeu àquilo que o projeto acadêmico estabelecia. Nessas situações, conforme previsto nos artigos 33 a 37 da resolução, é estabelecido um “protocolo de compromisso” entre o(a) docente e o departamento, no qual devem constar “o diagnóstico objetivo das condições que levaram ao resultado apontado”; “os encaminhamentos, processos e ações a serem adotados com vista à superação das dificuldades detectadas”; e “a indicação expressa de metas a serem cumpridas e, quando couber, a caracterização das respectivas responsabilidades”.
O prazo máximo para o cumprimento do protocolo é de três anos. Uma das sanções adotadas contra os(as) docentes que não entregaram o RAD ou estão em protocolo de compromisso é a vedação da sua candidatura à progressão horizontal.
A rotina instaurada pela Resolução 7.272, com seu “aparato ‘avaliativo’”, como definiu a Adusp no caderno Avaliar para involuir, publicado em 2018, é uma espécie de roda viva que não para e cujos métodos serão cada vez mais aprofundados para impor controle e punições aos e às docentes.
Já no próximo semestre terá início um novo ciclo do PrADo, no qual todos(as) os(as) professores e professoras (exceto docentes que estiverem em período probatório) deverão propor as atividades que pretendem desenvolver até 2030.
“Quando olhamos o PrADo e o RAD, estamos falando de um processo de avaliação contínua que a universidade precisa dele para poder crescer”, definiu Rossana Francisco na sessão temática. “É muito difícil ser avaliado, mas não podemos entender que quando entramos na USP, seja como alunos ou como docentes, acabou aí a avaliação e estejamos tranquilos para o resto da vida. É um processo que temos que ir trabalhando e pensando nele.”
Na descrição da presidenta da CAD, cada parte envolvida faz girar a engrenagem do aparato avaliativo. “Qual é a pergunta que o projeto acadêmico do departamento responde? É como o departamento vai contribuir para que a unidade alcance os seus objetivos. Depois disso a gente tem o PrADo, que é como cada docente vai contribuir para que o departamento atinja os objetivos colocados no projeto acadêmico. É ele que alimenta o departamento, é o departamento que alimenta a unidade, e é a unidade que faz a USP”, explicou.
“Se uma unidade aprova um projeto de departamento que não está bom, ele está atrapalhando toda essa cadeia e vai influenciar na avaliação da USP. Da mesma forma que, se o departamento aprova um projeto acadêmico que não está adequado ao do docente, ou se dificulta que o docente desenvolva o seu projeto, também está atrapalhando toda essa cadeia”, prosseguiu.
Carlotti Jr. não cumpre promessa de campanha e CERT continua existindo
A partir de 2026, disse a professora, “vamos sempre deixar um semestre que será organizado para avaliação do RAD e outro para o PrADo”. Assim, docentes que obtenham uma progressão ou saiam do período probatório deverão inserir o seu projeto naquele ano. “Vai ficar um processo de fluxo contínuo, o tempo todo teremos PrADo entrando, RADs sendo avaliados, como acontece hoje com a CERT [Comissão Especial de Regimes de Trabalho]”, continuou.
A CERT, por sinal, se mantém em atividade, o que contraria o que o reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr. disse à época da campanha para a Reitoria, em novembro de 2021, em reunião com a Diretoria da Adusp: “Nossa proposta é que seria melhor terminar com a CERT e ficar só com a CAD, que tem uma lógica de avaliação melhor”, disse.
Na mesma reunião, a então candidata a vice-reitora, Maria Arminda do Nascimento Arruda, afirmou que “a CERT tem sido uma fonte de tensões impressionante” e que a CAD tem a “grande vantagem” de ser eleita, o que já configura “um compromisso diferente”.
Dentro do “fluxo contínuo” descrito por Rossana Francisco, o(a) docente deve utilizar o projeto acadêmico do departamento que estiver vigente no momento em que fizer o seu PrADo. Se o projeto do departamento mudar, o(a) docente tem até a metade do período do seu PrADo para fazer as adaptações.
Ao lado de Rossana Francisco na mesa de abertura da reunião temática, Rogério de Almeida, presidente da Câmara de Avaliação Institucional (CAI) e docente da Faculdade de Educação (FE), ressaltou que “estamos aprimorando os processos de avaliação” e que “esses processos devem ser construídos coletivamente e observando a questão da centralidade do projeto acadêmico, da autoavaliação e também da percepção do que é avaliar”.
No início de 2026, anunciou, será aberta uma “janela para a revisão do projeto acadêmico”. “Nós queremos chamar a atenção para o fato de que a avaliação deve ser um elemento contínuo, não deve ser feita apenas a cada cinco anos, mas ela é um processo contínuo, por isso é importante [haver] uma comissão permanente de avaliação, que acompanhe a execução do projeto acadêmico e proponha também revisões”, enfatizou.
O atual ciclo de avaliação institucional teve início em 2023 e se estende até 2027. “Vamos terminar a avaliação em 2027, fazer o relatório e entregar para o Conselho Estadual de Educação [CEE]. Na sequência vamos visitar as unidades e fazer o feedback, e aí vamos organizar o outro ciclo e o projeto acadêmico no segundo semestre de 2028”, explicou.
Unidades cobraram contratação de docentes e servidores(as)
No decorrer do processo, a CAI visitou todas as unidades da USP e, como costuma ocorrer quando representantes das unidades têm oportunidade de se manifestar sobre problemas da universidade, sobraram críticas e questionamentos.
“Muitas vezes cobravam ações da Reitoria. É importante dizer que não éramos a Reitoria nem a representação da Reitoria”, disse Almeida, para justificar que não cabia à CAI executar determinadas ações. “O que fazemos é avaliação, e reportamos o resultado dessa avaliação para a Reitoria, que é de fato quem tem a competência para avaliar o que deve ser feito e como deve ser feito”, prosseguiu.
Foram feitas, por exemplo, solicitações “reiteradas” de contratação de docentes e servidores(as) e solicitações pontuais de melhorias de infraestrutura, além de críticas aos sistemas administrativos da USP e da necessidade de integração na gestão de dados.
Entre os desafios futuros, Almeida citou a necessidade de curricularização da área de Cultura e Extensão; preocupação com a queda na relação candidato-vaga na graduação e pós-graduação e dificuldades de acompanhamento dos egressos; críticas aos efeitos da avaliação estabelecida na Resolução 7.272; desafios quanto às métricas de inclusão e pertencimento; preocupação com a saúde mental de discentes, docentes e demais servidores; e cobrança das diretrizes da Reitoria para orientação dos projetos acadêmicos.
“Avaliação não pode nem deve virar uma questão de terror com as pessoas”
Quando a sessão foi aberta para perguntas, a única manifestação que trouxe algum questionamento das medidas punitivas partiu da professora Adriana Alves, docente do Instituto de Geociências (IGc), que perguntou o que será feito para auxiliar docentes que tiveram o seu RAD reprovado.
Rossana Francisco respondeu que o departamento deve explicitar no protocolo de compromisso como será o acompanhamento do(a) docente. “As atividades que serão feitas são um acordo entre docente e departamento”, disse. “O docente tem a oportunidade de entrar em contato com a CAD por e-mail solicitando alguma ajuda ou esclarecimento em relação ao cumprimento do projeto, mas [o protocolo] é algo entre o docente e o departamento e aprovado pela congregação”.
Jorge Luiz Souto Maior, docente da Faculdade de Direito (FD), pediu esclarecimentos sobre a referência feita por Almeida às questões de saúde mental. Souto Maior defendeu que a universidade deve apoiar docentes e servidores(as), que “sofrem consequências de ordem mental” ligadas aos processos de avaliação.
O presidente da CAI respondeu que sua intenção “era pontuar que as questões relacionadas à saúde mental são um problema de toda a sociedade, não seriam um elemento exclusivo de nós, universitários, e portanto assim como a universidade tem adoecido, nós também como docentes, discentes e funcionários, também temos adoecido, portanto essa é uma questão de saúde mais ampla do que um elemento circunscrito à universidade”.
Rossana Francisco disse que “talvez o que precisa mudar é a forma como a gente lida com isso, por isso a importância da PRIP [Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento]”, e que é necessário “lidar melhor com isso, de uma forma mais aberta, mais acolhedora”.
Os representantes das comissões também falaram sobre o processo de progressão horizontal, cujos resultados serão divulgados no dia 10 de julho. Os recursos poderão ser apresentados de 11 a 21 de julho. A deliberação final pela Comissão Plenária da CPA ocorre até 13 de agosto, e o resultado final será divulgado pela CP-CPA entre 15 e 30 de agosto.
“A progressão horizontal é algo que a universidade proporciona aos seus docentes e é importante que a gente tenha seriedade em entender que a avaliação é necessária e é benéfica. Ela não pode nem deve virar uma questão de terror com as pessoas”, disse a professora, o que soou surpreendente, vindo de quem havia anunciado tantas ameaças e medidas punitivas. “Peço a todos que cuidem dos projetos acadêmicos. Cuidar é fazer o quê? Não deixar o projeto acadêmico vir com pouquíssimas atividades e nem com mais atividades do que é possível realizar em cinco anos.”
Houve ainda questionamentos sobre a real adoção pela USP dos princípios da “Declaração de São Francisco sobre Avaliação da Pesquisa”, documento formulado por um grupo de editores de periódicos acadêmicos em dezembro de 2016. Conhecida como DORA, sigla do nome em inglês, a declaração traz, como primeira recomendação: “Não use métricas baseadas em periódicos, tais como o fator de impacto (FI), como uma medida indireta da qualidade de artigos de pesquisa individuais, para avaliar as contribuições de um cientista individual, ou em decisões de contratação, promoção ou financiamento”.
Em outubro de 2021, o então reitor Vahan Agopyan e seu pró-reitor de Pesquisa, Sylvio Canuto, publicaram a “Declaração USP de Apoio à Ciência Aberta”, que tem, entre seus princípios, o “incentivo ao uso de métricas responsáveis de avaliação”. Na mesma ocasião, Agopyan anunciou que a USP passava a ser signatária da DORA, “se juntando a milhares de instituições e pesquisadores de 150 países no mundo”.
De acordo com Rossana Francisco, a implementação da DORA “precisa de uma avaliação maior”. “Precisamos inserir a DORA nos perfis docentes, nos projetos acadêmicos”, defendeu. “Um ponto que a gente pode submeter à CPA é se a gente poderia já neste próximo PrADo ver como você prevê que as suas atividades, todas elas, vão impactar a sociedade, porque aí a gente já está fazendo uma aproximação com a DORA, e acho que é importante essa reflexão, porque a hora que você faz o PrADo é uma reflexão sobre o que pretende fazer nos próximos cinco anos”, afirmou.
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