A professora Cynthia de Oliveira Lage Ferreira ingressou no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC-USP) em abril de 2013, no Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP). Tendo engravidado, obteve licença-maternidade, iniciada em abril de 2014. Porém, não obstante estivesse licenciada, foi obrigada a apresentar seu primeiro relatório bienal. Esse relatório foi aprovado pela unidade e pela Comissão Especial de Regimes de Trabalho (CERT), que solicitou novo relatório em dois anos. No entanto, internamente à unidade, o relatório de Cynthia recebeu críticas. A professora foi obrigada pelo Departamento de Matemática Aplicada e Estatística (SME) a apresentar um outro no período de apenas um ano, em 2015.

Arquivo pessoalICMC
Professora Cynthia Ferreira

Desde o retorno de sua primeira licença-maternidade, a professora passou a receber cobranças excessivas que causaram desgastes físicos e emocionais importantes. Essa situação se estendeu nos anos seguintes: foram entregues relatórios em dezembro de 2015 e outro, arbitrariamente exigido, em outubro de 2016. Após retornar de sua segunda licença-maternidade, em fevereiro de 2018, a professora tomou conhecimento da decisão da CERT de desligá-la do RDIDP, como consta do Parecer 1.579/2017. Ela recorreu dessa decisão apresentando uma descrição de suas atividades e de seus projetos (incluindo um projeto Fapesp vigente de 2013 a 2016) e demonstrando a conformidade de seu trabalho ao regime RDIDP. O caso foi objeto de reportagem do Informativo Adusp 444, de 27/11/17. A CERT não acata o recurso da professora, conforme registrado no Parecer 730/2018, e mantém sua decisão de desligamento do RDIDP para o Regime de Turno Parcial (RTP).

As especificidades da situação da professora Cynthia, particularmente no que diz respeito às licenças-maternidade, não foram levadas em consideração. A professora foi pressionada por seu departamento para que apresentasse um relatório enquanto usufruía do direito de licença-maternidade, que pressupõe total afastamento de sua atividade laboral. Além disso, elaborou relatórios, ao longo de seus primeiros quatro anos de USP, anualmente ou referentes a um período de trabalho correspondente a um ano de atividade, tendo invariavelmente sido cobrada de produtividade como um docente que não teve suas atividades interrompidas.

Ainda assim, a pressão intensa em um momento especialmente sensível da sua vida não impediu que a professora fizesse jus à suas atividades em RDIDP, com trabalhos na área do ensino, da extensão e da pesquisa, com orientações que resultaram em trabalhos submetidos a publicação. Nada disso foi considerado suficiente e as decisões do Conselho do SME e da Congregação indicam que a própria instituição deixou de oferecer o apoio necessário para que a docente pudesse exercer suas atividades de modo salutar, condição indispensável em qualquer ambiente de trabalho.

Nas tratativas que manteve com a chefia de gabinete da Reitoria sobre o caso, a diretoria da Adusp manifestou seu entendimento de que a decisão de desligamento do RDIDP deveria ser reconsiderada — e propôs que a professora pudesse apresentar em dezembro de 2020 um novo relatório que equivaleria àquele correspondente ao período de experimentação de seis anos no RDIDP. Essa proposta procurava não apenas considerar o intervalo de um ano correspondente às duas licenças-maternidade como também oferecer alguma, ainda que insuficiente, reparação pelo estresse emocional vivenciado pela professora ao longo de seus anos de USP.

A chefia de gabinete, em reunião com a diretoria da Adusp em 10/9/19, comunicou que a CERT não aceitou essa proposta e manteve sua decisão, conforme consta do Parecer 1.225/2019, de 16/8/2019, assinado pelo presidente da comissão, Osvaldo Novais de Oliveira Jr. “Na análise dos aspectos relacionados às licenças-maternidades da docente, verificaram-se os indicadores de desempenho constantes no seu Currículo Lattes atualizado. Dessa análise concluiu-se que a docente continua não preenchendo os requisitos necessários para o RDIDP, estabelecidos no Estatuto do Docente, no que tange à produção de conhecimento. Não havendo fatos novos, a presidência da CERT não encontra argumento para reconsideração do parecer”, diz o documento.

“A decisão de desligamento do RDIDP é, portanto, mantida, recomendando-se mudança de regime para RTP, medida que deverá vigorar a partir da publicação do Ato respectivo”. A determinação perversa, que se aplicada resultaria, para além dos possíveis danos psíquicos e acadêmicos, numa redução salarial de 80%, é remetida então à Reitoria: “Isto posto, a Presidência eleva o assunto à consideração do Magnífico Reitor”.

Em 6/9/2019, antes mesmo da reunião da diretoria da Adusp com a chefia de gabinete, o reitor Vahan Agopyan decidiu acompanhar em parte a decisão da CERT, ratificando o desligamento da professora do RDIDP, mas enquadrando-a no Regime de Turno Completo (RTC) e não no RTP.

Ainda que o ato do reitor possa ser entendido como uma tentativa de suavizar os gravíssimos danos causados pela decisão da CERT, causa espanto o modus operandi das diversas instâncias da Universidade no tratamento desse caso.

De início, ao invés de buscar formas de respeitar as especificidades da condição da professora nos seus primeiros anos de USP, o ICMC as ignorou. As licenças-maternidade foram desrespeitadas, a professora sofreu toda sorte de pressões e seu trabalho foi constantemente desvalorizado. A CERT, de sua parte, igualmente desconhece essa realidade e — extrapolando suas atribuições — trata o caso sem considerar suas particularidades, mantendo sua lógica essencialmente produtivista e sua decisão de caráter punitivo.

Durante meses a diretoria da Adusp manteve tratativas com o gabinete da Reitoria procurando evidenciar a gravidade da situação e formulando uma proposta que, se aceita, poderia representar uma reparação do modo como todo o processo havia sido conduzido até então. A CERT, no entanto, manteve-se irredutível, indicando não reconhecer de fato o direito de maternidade das docentes e, portanto, admitindo que uma professora tenha sua carreira prejudicada por sua condição de mulher. A CERT opõe assim a maternidade à atividade profissional. Se assim não fosse, como compreender o pronunciamento que consta do parecer acima transcrito?

Não teria sido importante, prudente e adequado que a proposta apresentada pela Adusp fosse objeto de discussão com a unidade e com o departamento? O diálogo não poderia trazer alternativas mais adequadas do que a mudança do regime de trabalho? Não ganharíamos todas e todos com um processo que apostasse no diálogo e principalmente que fizesse a Universidade avançar no tratamento das questões das mulheres? É importante avaliar aonde leva o caminho da intransigência e da violência institucional.

EXPRESSO ADUSP


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