Defesa da Universidade
Entidades lançam moção contra extinção de institutos públicos e desmanche da pesquisa ambiental em São Paulo
A extinção do Instituto Florestal (IF) e a sua fusão com os institutos de Botânica (IBt) e Geológico (IG) numa nova instituição representam um “retrocesso ambiental que paira sobre a pesquisa científica em matéria ambiental no Estado”, o que traz “sérias ameaças para o futuro da qualidade ambiental paulista”, defende moção proposta pela organização não-governamental Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam). A moção já foi assinada por mais de cem entidades de todo o país e está aberta também a adesões de pessoas físicas. Os interessados em assinar a moção podem entrar em contato pelos e-mails proam@proam.org.br e bocuhy@uol.com.br.
“Esses institutos centenários sempre contribuíram, do ponto de vista técnico-científico, para a evolução da política ambiental paulista. A pesquisa era focada em cada instituto para a formulação de políticas públicas do Estado. Com a extinção, as políticas perdem essa perspectiva e passam a funcionar de uma forma desconectada, o que pode levar a uma distorção da pesquisa científica a partir do momento em que ela se volta aos interesses do governo de plantão, e não a interesses de Estado”, diz Carlos Alberto Hailer Bocuhy, presidente do Proam. Esse é o principal ponto levantado pela moção, completa.
O documento solicita que o governo estadual, o Ministério Público (MP-SP), o Poder Judiciário e outras instâncias tomem providências urgentes “para a manutenção integral das atividades de pesquisa científica, da identidade dos institutos de Botânica, Florestal e Geológico, de suas áreas experimentais e demais funções dessas históricas instituições, considerando sua importância como patrimônio cultural brasileiro de natureza imaterial, impedindo retrocessos em matéria ambiental, em observância da legalidade e do exercício da justiça”.
“Existe um discurso do governo paulista de que outros Estados também podem adotar essas medidas, e na área federal temos a mesma perspectiva de privatização das unidades de conservação. Entendemos que isso abre um precedente perigoso e é um risco para a gestão ambiental não só em São Paulo, mas no Brasil, por isso convocamos as entidades de outros Estados a se associarem à moção”, diz Bocuhy.
O Proam estuda também o encaminhamento de ações judiciais. Bocuhy avalia que as medidas violam o princípio constitucional da proibição de retrocesso ambiental, o que poderia ensejar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). A ONG, no entanto, não pode propô-la, prerrogativa que cabe a alguns representantes de poderes, ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a partidos políticos com representação no Congresso Nacional ou a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
“Além da ADI, que está sendo discutida e provavelmente vai acontecer, existe a proposta de uma ação civil pública que garanta a continuidade imediata da política estadual de pesquisa científica. O Proam está trabalhando especialmente para que o MP-SP seja acionado para ingressar com essa ação” diz.
“Área de Meio Ambiente acabou reduzida e subordinada à de Infraestrutura”, considera ambientalista
O desmantelamento dos institutos é mais uma consequência da Lei 17.293, promulgada em outubro do ano passado e originária do PL 529/2020, por meio do qual o governo João Doria (PSDB) propôs uma espécie de “reforma administrativa” no Estado, que implica na verdade a supressão pura e simples de instituições públicas estaduais. O projeto foi aprovado por pequena margem na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) depois de o governo ter concordado em retirar alguns itens do pacote, como a extinção de quatro instituições públicas que acabaram preservadas, entre elas a Fundação para o Remédio Popular (FURP). Outras seis, porém, tiveram sua extinção autorizada ou determinada pela lei 17.293.
Dias depois da promulgação da lei, o governo publicou o Decreto 65.274, que alterou o Sistema Estadual de Florestas (Sieflor) e transferiu à Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo (“Fundação Florestal”, pública) a responsabilidade pelas unidades de conservação e pela gestão da pesquisa científica das áreas de abrangência do sistema.
A moção do Proam lembra que a Fundação Florestal foi criada para realizar a gestão dos recursos financeiros da comercialização de produtos resultantes das atividades de pesquisa do IF, e portanto não possui atribuição para a gestão de áreas protegidas. “Isso já aconteceu antes, em 2006. A fundação não tinha condição de exercer essas atribuições, que acabaram retornando ao IF”, aponta Bocuhy.
Além disso, ressalta, uma alteração dessa magnitude no sistema ambiental do Estado, incluindo a extinção do IF, deveria ter sido precedida de ampla consulta pública e aprovação pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema). “Não houve esse debate, e foi feita meramente uma apresentação do projeto, de forma muito superficial e sem condição de aprofundamento. O governo negou que a questão fosse remetida para a comissão pertinente porque tem maioria no Consema”, diz.
Na avaliação de Carlos Bocuhy, o que ocorre em São Paulo é o desguarnecimento da proteção ambiental, com a prevalência de outros interesses. A própria fusão das secretarias de Infraestrutura e de Meio Ambiente numa só pasta demonstra essa tendência. “A área de Meio Ambiente, que tem uma tradição técnica, científica e política, acabou reduzida e subordinada à de Infraestrutura, como uma subsecretaria inexpressiva”, afirma. Outra ênfase fortalecida é a concessão à iniciativa privada de parques até o momento geridos pelo Estado.
Uma das consequências do novo perfil da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA) é que mudaram os critérios para o cadastramento de entidades ambientalistas. Atualmente, zoológicos particulares de ex-caçadores, empresas de gestão de resíduos e até empresas de investimento integram esse cadastro, o que o descaracteriza, considera Bocuhy.
Em função disso, a qualidade da bancada ambientalista no Consema acabou caindo muito. “Isso se reflete no Consema como um sistema de decisão. Além de perdermos a administração ambiental, que foi fragilizada com a fusão das secretarias, o instrumento de gestão participativa foi neutralizado”, descreve.
No dia 10/3, o Proam e outras entidades encaminharam representação ao MP-SP defendendo a “necessidade de reconstrução democrática do Consema” e reivindicando, entre outros itens, a autonomia do movimento ambientalista sobre o cadastro de entidades, a transparência de todos os atos do conselho e o aumento do número de representantes da sociedade civil no órgão para que se atinja efetiva paridade, “com a eliminação de conflitos de interesse e de sobreposição de representações ou representações dúbias”.
Novo instituto comprime núcleos e ameaça linhas de pesquisa
O papel da SIMA — à qual estão vinculados os institutos de pesquisa — no processo de criação da nova unidade vem sendo criticado pelos pesquisadores mesmo antes da aprovação do PL 529 e da publicação do decreto que altera o Sieflor. Às vésperas de encaminhar o projeto de lei à Alesp, em agosto do ano passado, o vice-governador Rodrigo Garcia (DEM) chegou a dizer — numa entrevista em vídeo a Fernando Alfredo, presidente do diretório municipal do PSDB na capital — que seria extinta a Fundação Florestal, e não o IF. O texto enviado pelo Executivo e aprovado pelo Legislativo, no entanto, determinava a extinção do IF.
Em outubro, depois da publicação da Lei 17.293, a SIMA formou um grupo de trabalho, com a presença de representantes indicados pelos institutos, para debater o organograma da nova instituição. Porém, mesmo com o anúncio de abertura à participação, “a SIMA chegou com a minuta do decreto de fusão e o organograma prontos”, disse ao Informativo Adusp um pesquisador do Instituto Florestal. “Os processos continuam a ser tocados de forma autoritária. A massa crítica de 150 pesquisadores e os técnicos não estão sendo ouvidos”, prossegue.
De acordo com o servidor, todas as áreas de pesquisa dos institutos foram “comprimidas” em somente quatro núcleos, que chegam a ter até 90 pesquisadores. “Nossos núcleos tinham de dez a 20 pesquisadores. É como se estivessem empurrando um elefante para entrar num fusquinha. Isso desestrutura o trabalho e pode fazer desaparecer linhas de pesquisa”, afirma.
“A piada recorrente é que seria um ‘instituto Frankenstein’, que vai agregar todos os pesquisadores que ficaram soltos das políticas setoriais, e isso não pode acontecer dessa forma”, diz Carlos Bocuhy, do Proam.
Em documento encaminhado à SIMA e a entidades como a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), os cientistas dos três institutos registram que suas proposições foram pouco consideradas e apontam a condensação de vários campos de atuação em somente quatro núcleos, bem como a grave desproporcionalidade no número de pesquisadores e funcionários entre esses grupos, como questões muito importantes a reconsiderar.
Entre os demais problemas levantados estão a necessidade de melhor estruturação do Departamento Técnico-Científico do novo instituto; a ausência de núcleos ou centros regionais na estrutura proposta, o que acarreta insegurança especialmente para os servidores do interior; e a descontinuidade ou interrupção no pagamento de adicional de insalubridade, reduzindo significativamente os vencimentos de centenas de funcionários.
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