Processo transitou em julgado em maio último, depois que a Segunda Turma do STJ desconheceu agravo em recurso especial impetrado pela universidade. Acusado de haver cometido “falta grave”, o docente fora demitido em outubro de 2019 pelo então vice-reitor Antonio Hernandes (no exercício da Reitoria), por recomendação de Carlos Ferreira dos Santos, diretor da Faculdade de Odontologia de Bauru na ocasião

O poder judiciário reverteu, em definitivo, a demissão do professor Gerson Alves Pereira Júnior, do curso de Medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB-USP). Ao rejeitar, em março deste ano, um agravo da Reitoria da USP em recurso especial interposto e negado em maio de 2021, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) referendou de uma vez por todas decisão da 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a qual confirmara, em novembro de 2020, sentença da 15ª Vara da Fazenda Pública que determinou a reintegração de Pereira Júnior ao cargo que exercia na FOB. 

No dia 5 de maio de 2022, o STJ expediu certidão de que o processo transitou em julgado, pondo fim assim, de modo exemplar, aos desmandos em série cometidos pela USP nesse caso, relatados em matérias anteriores do Informativo Adusp. Acusado de conduta negligente durante uma aula prática com um desfibrilador, em novembro de 2018, que teria causado descarga elétrica em um aluno, o docente foi submetido a um processo administrativo disciplinar (PAD) sem que fosse realizada, como de praxe nesses casos, uma sindicância prévia.  

Encerrado o PAD, a comissão processante responsabilizou Pereira Júnior, mas propôs como penalidade a suspensão do docente por três meses. O diretor da FOB à época, Carlos Ferreira dos Santos (atualmente vice-diretor), não aceitou a penalidade proposta e decidiu recomendar ao reitor a demissão. O então vice-reitor Antonio Carlos Hernandes, no exercício da Reitoria, seguiu a recomendação e demitiu Pereira Júnior, em outubro de 2019, por entender que “a sanção disciplinar compatível com a gravidade da conduta praticada pelo processado é a pena de demissão”.

“Com a decisão do STJ, fica confirmada a anulação da sanção imposta ao professor Gerson Alves Pereira Júnior que, desde o primeiro momento de sua imposição, já se mostrava flagrantemente desproporcional, sendo reestabelecida, ao menos em parte, a justiça a que o professor tem direito”, declarou ao Informativo Adusp o advogado Márcio Cammarosano, que conduziu a defesa do docente da FOB. “Estamos agora em vias de concluir a regularização da condição anterior do professor Gerson junto à USP, com as correspondentes indenizações pelo tempo em que esteve ilegalmente impedido do exercício das atividades acadêmicas. Posteriormente, novas medidas serão adotadas, visando os legítimos interesses do professor”.

Pereira Júnior foi o primeiro docente do curso de Medicina da FOB. Trabalhava na  Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) quando foi convidado a participar da equipe que montaria o curso de Bauru, transferindo-se para a FOB com essa finalidade. Ele é o autor do currículo inicial e foi vice-coordenador da Comissão de Implantação do Curso de Medicina. Tornou-se um dos protagonistas de um choque de culturas e de projetos dentro da FOB em torno do novo curso — entre, de um lado, o grupo do diretor Ferreira dos Santos, e de outro lado o grupo egresso de Ribeirão Preto e liderado pelo coordenador da Comissão de Implantação, professor José Sebastião dos Santos (FMRP). 

Ao resistir às ingerências da Famesp, “organização social de saúde” então ligada a Ferreira dos Santos, Sebastião, que acumulava o cargo de superintendente do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC), terminou sendo exonerado pelo reitor Vahan Agopyan. Nesse contexto de disputa, Pereira Júnior se tornou alvo de ataques públicos do diretor da FOB e posteriormente se viu envolvido no incidente com um aluno, que deu origem à denúncia contra ele e ao respectivo PAD.

“Pá de cal” nos recursos da USP contra a decisão de reintegração do docente

Em junho de 2020, a juíza Gilsa Elena Rios, da 15ª Vara da Fazenda Pública da Capital, anulou a pena de demissão do professor Pereira Júnior, por considerá-la desproporcional ao fato a ele imputado no processo administrativo disciplinar: “Na hipótese dos autos, no entender deste juízo, a pena de demissão não é razoável e proporcional”. Antes disso, em março, a 10ª Câmara de Direito Público, ao julgar agravo em recurso do docente, havia deferido o pedido de tutela antecipada (negado pela mesma 15ª Vara) e ordenado à USP a sua imediata reintegração.

A Reitoria recorreu contra a sentença, mas sofreu nova derrota. Em novembro de 2020, a 10ª Câmara de Direito Público rechaçou, por unanimidade, o recurso da USP. O relator, desembargador Marcelo Semer, contestou a alegação da Reitoria de nulidade do julgamento em primeira instância por cerceamento da apresentação de provas, “até porque não faria muito sentido a insistência da autarquia na produção de provas, considerando que realizou livremente todas aquelas que entendeu necessárias no curso do processo administrativo, negando as que entendeu desnecessárias (como a prova pericial)”.

Semer também avaliou como improcedente a preliminar de nulidade da sentença por vício de fundamentação, porque “a sentença está devidamente fundamentada e expõe com clareza a convicção do juiz, que analisou os pedidos e a causa de pedir, e adotou uma linha de raciocínio clara e coordenada, citando inclusive jurisprudência dos Tribunais Superiores para respaldar seu entendimento”, e endossou o entendimento da 15ª Vara: “A pena de demissão não é razoável e proporcional […] alguma penalidade deveria ser aplicada, como a de suspensão, mas a demissão é exagerada e desmedida, considerando que o autor é médico, Professor Doutor da USP estando vinculado à instituição desde 2012, e o fato descrito, ainda que reprovável, não se revestiu de conduta dolosa e não trouxe danos irreparáveis ao aluno”.

Mais uma vez frustrada nos seus intentos, a USP impetrou, em março de 2021, recurso especial ao STJ, no qual pediu a reforma do acórdão da 10ª Câmara de Direito Público e a consequente anulação da sentença da 15ª Vara da Fazenda Pública, e, desse modo, “o retorno do processo até a fase instrutória para a realização da prova testemunhal requerida”. Os procuradores da universidade insistiram em que houve “cerceamento de defesa”, na medida em que a USP teria sido impedida, tanto na primeira como na segunda instância, de “produzir provas sobre fatos e princípios que fundamentaram as decisões de primeira e segunda instâncias”. Ainda, teria havido “ausência de fundamentação” na sentença e no acórdão.

O recurso especial, porém, foi barrado liminarmente. “O recurso não merece trânsito”, decidiu o desembargador Magalhães Coelho, presidente da Seção de Direito Público do STJ, no dia 11 de maio de 2021. “Os argumentos expendidos não são suficientes para infirmar as conclusões do v. acórdão combatido que contém fundamentação adequada para lhe dar respaldo, tampouco ficando evidenciado o suposto maltrato às normas legais enunciadas”, afirmou, acrescentando que rever a posição do TJ-SP “importaria em ofensa” à Súmula 7 do próprio STJ, de acordo com a qual “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”.

FOB não atende a apelos do professor e deixa de lhe atribuir aulas na graduação

Inconformada, a USP recorreu novamente, por meio de um agravo, espécie de recurso interno submetido ao próprio tribunal. Coube à Segunda Turma do STJ apreciar o agravo, no dia 14 de março de 2022. O relator foi o ministro Mauro Campbell Marques, cujo voto foi acompanhado pelos demais ministros da Turma: Francisco Falcão, Herman Benjamin, Og Fernandes e Assusete Magalhães.

“O agravo em recurso especial não pode ser conhecido, pois a parte agravante não cuidou de impugnar, em bases concretas e específicas, bastante fundamento da decisão agravada”, decidiu Marques, sucintamente, limitando-se a citar o artigo 932, III, terceira parte, do Código de Processo Civil de 2015, segundo o qual “não deve ser conhecido o recurso que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida”. Assim, por unanimidade, a Segunda Turma negou provimento ao recurso, encerrando o caso. 

“O fato fala por si só! Um diretor que não falou comigo aplica uma pena dessas para quem escreveu o projeto pedagógico e operacionalizou os primeiros dois anos do curso!”, comentou, a propósito de sua vitória definitiva na ação judicial, o professor Pereira Júnior a pedido do Informativo Adusp. “Terão que pagar tudo e voltar minha situação funcional ao normal”, acrescentou ele, que, embora tenha sido formalmente reintegrado e voltado a receber normalmente o salário, não recebeu turmas para lecionar, apesar da escassez de docentes qualificados no curso de Medicina de Bauru.

“Desde 15 de julho de 2020, quando fui readmitido como docente da USP, embora tenha feito diversas solicitações, não foram me atribuídas aulas na graduação, ficando somente com as atividades de pós-graduação”, revela. “Como isso perdurou por três semestres, sem aulas na graduação, não teria mais sentido permanecer no regime de trabalho de dedicação exclusiva (RDIDP) e, dessa forma, solicitei a redução para o regime de turno completo (RTC), no qual estou desde janeiro de 2022”.

EXPRESSO ADUSP


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