Em vídeo publicado nas mídias sociais, Tarcísio conversa com estudantes para enaltecer o Provão Paulista, enquanto na prática segue atacando a educação
Carlotti Jr cumprimenta Tarcísio no lançamento do Provão Paulista, em julho do ano passado (Foto: governo do Estado)

Num vídeo publicado em suas contas em mídias sociais como o TikTok e o Instagram e que circula por meio de aplicativos de mensagem de celular, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) conversa com dois estudantes aprovados na primeira edição do Provão Paulista, cujos resultados foram divulgados na semana passada.

Num tom descontraído e informal, no melhor estilo “gente como a gente”, Tarcísio cumprimenta Gabriel Oliveira Fernandes e Lara Christofaro pela aprovação em Medicina na USP, em vagas obtidas por meio da nova modalidade de ingresso. Gabriel foi aprovado para o curso em São Paulo, enquanto Lara será aluna do curso em Bauru, ainda vinculado à Faculdade de Odontologia (FOB).

“Você tem noção que é um cara brilhante?”, pergunta o governador a Gabriel. Noutro trecho, Tarcísio ressalta que o jovem obteve a vaga sendo “estudante do período noturno, ajudando em casa”. “Isso aí vai ser um fator de transformação para você, para a sua mãe”, prossegue. “Você vai chegar aonde você quiser.”

Lara, por sua vez, é cumprimentada “pelo resultado, pelo trabalho, pelo estudo, pelo mérito” (não poderia faltar o elogio à meritocracia, claro) e “pelo esforço”. A família, que aparece atrás da estudante na chamada de vídeo, também é saudada pelo governador.

As duas conversas são encerradas com “bênçãos” do governador, numa manifestação, típica do discurso bolsonarista, do vínculo com as vertentes mais conservadoras do cristianismo: “a gente está orgulhoso [sic] e que você seja muito feliz, Lara, e que Deus te abençoe demais”; “Deus te abençoe, Gabriel, seja muito feliz”.

Aparentemente de forma espontânea, Gabriel se encarrega de cumprir um dos objetivos da peça de marketing: elogiar a nova modalidade de ingresso no ensino superior de São Paulo criada pelo governo estadual. “Esse Provão Paulista é muito bom, viu, Tarcísio? Parabéns, eu achei incrível mesmo”, diz o jovem, tratando informalmente o governador pelo primeiro nome. “Muito obrigado, Tarcísio, e eu agradeço muito ao Provão Paulista, porque se não fosse o Provão Paulista eu não teria essa oportunidade.”

O novo sistema prevê avaliações seriadas para os(as) estudantes das escolas públicas estaduais, incluindo as escolas técnicas (Etecs), nos três anos do ensino médio. Foram oferecidas 15,3 mil vagas no ensino superior, 18,4% delas nas três universidades (2.830 no total, sendo 1.500 na USP, 980 na Unesp e 350 na Unicamp). As demais são distribuídas nas Faculdades de Tecnologia (Fatecs) em todo o Estado. O reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Jr, afirmou que avalia ampliar para 2.000 o número de vagas oferecidas pela universidade no Provão Paulista.

Nesta primeira edição, os(as) candidatos(as) fizeram apenas uma prova, realizada em novembro do ano passado. Três escolas acabaram recebendo as provas de redação um dia antes do exame, o que permitiu o vazamento do tema. Para a Secretaria da Educação, no entanto, não houve fraude, mas “um erro de distribuição” que não causou prejuízo ao conjunto dos(as) candidatos(as). À Folha de S. Paulo, Carlotti Jr declarou que estava “tranquilo” com as informações da secretaria sobre o caso.

No marketing, adulação; na prática, projeto para reduzir orçamento da educação

O vídeo produzido pela assessoria do governador pode ser enquadrado numa espécie de estratégia de “morde e assopra” em relação à educação e, particularmente, ao ensino superior público. Na prática, o governo ataca os(as) profissionais da área com diversas medidas e projetos de lei deletérios, patrocina iniciativas de precarização do ensino, como a adoção de materiais digitais de baixa qualidade em lugar dos livros didáticos, e não se manifesta de forma contundente e explícita quanto à manutenção do financiamento das universidades estaduais a partir da aprovação da reforma tributária. Tarcísio, aliás, sequer compareceu à cerimônia de comemoração dos 90 anos da USP, no ultimo dia 25/1, mandando para representá-lo o ex-reitor Vahan Agopyan, secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação.

Acima de todas as “maldades” está a intenção de reduzir o orçamento da educação pública, baixando de 30% para 25% da receita de impostos a destinação mínima de recursos para a área, conforme determina a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 9/2023, encaminhada pelo Executivo à Assembleia Legislativa (Alesp). Estima-se que, se aprovado, o projeto retire pelo menos R$ 8 bilhões da educação, com impactos também no orçamento das universidades estaduais paulistas.

As universidades, e particularmente a USP, seguem no radar dos ataques dos setores conservadores e da extrema-direita. No ano passado, mais uma vez um projeto de lei, desta vez de autoria do deputado estadual Lucas Bove, do PL, partido de Jair Bolsonaro, foi protocolado na Alesp para propor “cobrança de mensalidade para alunos das instituições públicas de Ensino Superior estaduais do Estado de São Paulo”.

Embora as universidades sejam visadas por ataques do tipo, o acesso a um curso superior de destaque e prestígio continua sendo visto como uma distinção social, e por isso vale a pena fazer exercícios retóricos e utilizar o marketing político para “assoprar” de vez em quando, caso do recente vídeo. Não por acaso, a assessoria do governo escolheu para “estrelar” a peça dois jovens aprovados em Medicina, sendo uma moça branca e um rapaz negro.

Analisado o conjunto da obra, a encarnação do personagem “gente como a gente” não resiste a um exame mais profundo. O governo Tarcísio mantém firme, por exemplo, sua política de incentivar a violência da Polícia Militar, adotando medidas como a chamada “Operação Escudo” e o boicote às câmeras corporais. No terreno do patrimônio público, não arreda pé das políticas de sucateamento e de privatização.

Essas escolhas e práticas não são escondidas no próprio mundo digital, terreno privilegiado pela extrema-direita para a disseminação de seu discurso. O primeiro vídeo publicado na conta do governador no TikTok depois da “performance” sobre o Provão Paulista intitula-se “Bolsonaro rasga elogios ao Governador Tarcísio em sua live” e apresenta um pequeno trecho de pronunciamento do ex-presidente, hoje inelegível, que praticamente o lançou na carreira política ao nomeá-lo ministro da Infraestrutura em 2019.

Enquanto o vídeo com Gabriel e Lara ainda não havia chegado a 200 curtidas na plataforma na tarde desta sexta-feira (2/2), a edição da fala de Bolsonaro já se aproximava das 97 mil. Não há dúvida sobre qual é a torcida para a qual Tarcísio joga.

EXPRESSO ADUSP


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