Inclusão e pertencimento
Justiça determina audiência de conciliação para encaminhar fim da ocupação na Creche Oeste, cujo fechamento arbitrário pela Reitoria acaba de completar oito anos
O juiz Luiz Fernando Rodrigues Guerra, da 1ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), determinou a designação de uma audiência de tentativa de conciliação para tratar da desocupação da Creche/Pré-Escola Oeste da USP, na Cidade Universitária. O procedimento deve ficar a cargo da Comissão Regional de Soluções Fundiárias do TJ-SP. Na decisão, publicada no último dia 13 de janeiro, o juiz afirma “vislumbrar a possibilidade de conciliação”.
A audiência reunirá as representações dos(as) atuais ocupantes e da USP, além do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e de outros órgãos. Os(as) atuais ocupantes serão assistidos(as) pela Defensoria Pública do Estado. Ainda não há estimativa de data para a realização da audiência.
A publicação do despacho do juiz coincide com o oitavo aniversário do fechamento da Creche/Pré-Escola Oeste, determinado de forma abrupta, truculenta e sem justificativa pela gestão do então reitor M. A. Zago (2014-2018), atual presidente da Fundação de Amparo à Pequisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Em 16 de janeiro de 2017, em meio às férias acadêmicas, a Divisão de Creches/Educação Infantil da então Superintendência de Assistência Social da USP (SAS) encaminhou comunicado aos e às funcionários(as) da creche para avisar que nos dias seguintes seria realizada a transferência dos equipamentos, materiais e mobiliários para a Creche/Pré-Escola Central. A ordem partira da Reitoria, sob a justificativa de “otimizar os espaços das Creches e Pré-Escolas do campus Butantã”.
Rapidamente formou-se um movimento de resistência ao fechamento do espaço, criando-se a Ocupação Creche Aberta, o que motivou a Reitoria a ajuizar uma ação de reintegração de posse já em março daquele ano. Um mandado de reintegração de posse chegou a ser expedido pelo juiz Danilo Mansano Barioni, da 1ª Vara de Fazenda Pública. Porém, a reintegração foi suspensa pelo desembargador Marcos Pimentel Tamassia, da 1ª Câmara de Direito Público do TJ-SP, que determinou a realização de uma audiência de conciliação.
Nessa audiência, em 20 de abril de 2017, os representantes da USP não conseguiram sequer explicar as razões da repentina decisão de desativar a creche. A tal ponto que, ao final, o próprio juiz Barioni, que expedira o mandado, mudou o seu entendimento.
“Levando em conta o que foi dito ao longo dessas duas horas e meia de audiência […] mesmo mantendo o entendimento de que favorável à autora [USP] a questão possessória, o fechamento da Creche Oeste ocorreu de forma inexplicavelmente abrupta, sem o mínimo planejamento e sem dimensionamento de eventual comprometimento da estrutura montada no imóvel, específica e complexa, voltada ao atendimento de menores. Mais que isso, ficou claro que não existe qualquer planejamento relacionado ao destino do imóvel”, ressaltou então o juiz.
“Em simples resumo, a autora não tem o que fazer com o imóvel, ou ao menos isto não comprovou. Nesse quadro, a retomada não é urgente, não porque esbulho não há, mas porque sua imediata debelação implicaria mais prejuízo do que a manutenção do estado de coisas como hoje se apresenta”, avaliou Barioni, cujo testemunho insuspeito revela como foi grave e criminosa a agressão desfechada pela gestão M.A. Zago-V. Agopyan à Creche Oeste.
USP assinou protocolo de intenções com a Prefeitura para transformar espaço em CEI
Conforme o Informativo Adusp Online mostrou em reportagem publicada em agosto de 2024, o perfil e o número de ocupantes do prédio da Creche passaram por várias alterações desde o início do movimento. Na atualidade, permanece de forma fixa no local um grupo de seis pessoas.
Até o final de 2023, havia cerca de 30 pessoas, mas muitas passaram a sair nos meses seguintes por se sentirem intimidadas após novas ações no âmbito do processo, como o envio de oficiais de Justiça às instalações e a circulação de agentes da Guarda Universitária da USP no espaço, aproveitando-se de trabalhos de poda executados pela Prefeitura do Câmpus.
Uma das ocupantes declarou à reportagem em 2024 que o grupo não podia sair por duas razões: primeiro, por serem os responsáveis pela ocupação, a qual não poderiam abandonar no meio do processo. E, em segundo lugar, por não terem outro local para moradia. Essa preocupação se mantém, disse a mesma ocupante à reportagem nesta semana. O grupo espera que o tema da moradia para os(as) remanescentes seja discutido na audiência de conciliação.
Num documento encaminhado à Procuradoria-Geral da USP no final de 2023, os(as) ocupantes sustentam que o movimento luta para que o espaço “seja reformado e restaurado, e volte a cumprir sua função social, ou seja, volte a ser uma creche, com a sua reabertura”.
A USP e a Prefeitura de São Paulo assinaram em março de 2023 um protocolo de intenções “com o intuito de realizar estudos técnicos visando a futura instalação de um Centro de Educação Infantil [CEI] no antigo prédio da Creche/Pré-Escola Oeste”. Um futuro CEI provavelmente será gerido por uma Organização da Sociedade Civil (OSC). As OSCs são entidades privadas a quem o poder público do município vem crescentemente terceirizando a gestão dos equipamentos de saúde e educação sob sua responsabilidade.
“Isso é um vírus, um problema crônico do poder público, que em São Paulo é bastante agravado”, disse ao Informativo Adusp Online em 2024 a defensora pública Daniela Skromov de Albuquerque, que representa os(as) ocupantes no processo. “O poder público virou uma caixa de pagamento de empresas privadas.”
Equipamentos são fundamentais para as políticas de permanência, defende Adusp
O modelo conveniado que a USP pretende adotar numa eventual reabertura do espaço em convênio com a Prefeitura e sob gestão privada é absolutamente distinto daquele que sempre caracterizou a Creche/Pré-Escola Oeste como referência pedagógica e fonte de pesquisa para trabalhos acadêmicos.
A história da construção das creches universitárias “como um espaço fundamental para a produção de conhecimentos sobre a infância e de grande importância para o tripé Pesquisa, Ensino e Extensão na universidade” foi retratada no caderno Razões para exigir do reitor a imediata reativação da Creche Oeste, publicado em setembro de 2019 numa parceria da Adusp com o Centro de Estudos e Defesa da Infância (CEDIn).
Desde o arbitrário e injustificado fechamento da Creche Oeste, a Adusp confrontou a posição enviesada da Reitoria, especialmente na gestão M. A. Zago, segundo a qual as creches limitam-se a realizar atividades de cunho assistencialista.
A Adusp historicamente defende que as creches, assim como o Hospital Universitário (HU) e o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais de Bauru (HRAC), ambos alvos de uma política de sucateamento explícito desde 2014, e a Escola de Aplicação, são unidades de ensino, pesquisa e extensão, e têm fundamental importância nas políticas de permanência, especialmente para as estudantes que são mães.
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