Conjuntura Política
Novo protesto contra a concessão do Petar a investidores denuncia segregação social e apoio de Doria à especulação imobiliária
“A função do Estado não é fazer especulação imobiliária e sim gerar o bem estar social. A política pública que está sendo feita em âmbito de Estado está botando em risco nossos direitos constitucionais. Nós temos direito a acessar o meio ambiente com qualidade, limpo, e por isso existem as leis, o Sistema Único de Unidades de Conservação, os parques rurais — e não para gerar lucro para investidor internacional”.
A frase da arquiteta e ativista Ana Beatriz Nestlehner, uma das oradoras de um protesto realizado nesta quarta-feira (23/2) diante do prédio da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA), na capital paulista, diz respeito ao processo de concessão do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar) à iniciativa privada, que o governo estadual busca levar adiante apesar da forte resistência da população local, de ambientalistas e da comunidade científica.
As críticas dos manifestantes dirigiram-se ao governo estadual, que vem promovendo a concessão de parques para a iniciativa privada, e particularmente ao governador João Doria (PSDB) e ao secretário Marcos Penido, da SIMA. Gritos de “Fora Doria!” temperaram o protesto, que também contou com faixas e cartazes. “Quando TUDO for privatizado, seremos privados de TUDO”, adverte um deles.
Ex-diretora de obras de Iporanga, um dos municípios abrangidos pelo parque e cuja Câmara Municipal vem tomando iniciativas em defesa dele, Bia Nestlehner, como é conhecida, atua no movimento Petar Sem Concessão.“Todo mundo tem direito de participar das políticas públicas referentes aos seus territórios”, continuou ela, ressaltando que não se trata de algo meramente protocolar.
“Não é apenas fazer consulta pública virtual, em ambiente onde não há Internet, usando inglês para as pessoas não participarem. É uma vergonha usarem a agenda de sustentabilidade, a agenda climática, para gerar segregação social. O que vocês estão gerando é racismo ambiental, é marginalização do povo pobre, do povo preto, dos quilombolas, das comunidades tradicionais”, disse, dirigindo-se à cúpula da SIMA.
“É uma vergonha o Estado mais rico do Brasil, que tem um PIB [Produto Interno Bruto] igual ao da Espanha, falar que não consegue manter um parque que custa um milhão de reais por ano. A maior biodiversidade do Brasil por metro quadrado está no Petar, e eles estão vendendo para o investidor internacional. Fazendo isso a toque de caixa, fazendo vídeos institucionais mentirosos, prometendo emprego que não existe”, concluiu, muito aplaudida.
“Todos são contra a concessão do Petar, os ambientalistas, os cientistas. Não há quem defenda essa concessão, só mesmo os representantes do poder econômico”, declarou o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL), presente ao ato e organizador de audiência pública sobre a questão em 2021. “Esse modelo fascista, neoliberal, privatizante, faz com que haja exclusão ambiental. A luta por nossos parques, rios e represas é fundamental”, frisou Jandyra Uehara, secretária de Políticas Sociais da CUT.
Um dos grupos ambientalistas em luta contra o desmonte do sistema de parques e florestas estaduais pelo governo Doria é a Rede Parque, que acaba de lançar manifesto de nove pontos. “O processo de desestatização de áreas verdes geridas pelo Estado na administração direta e indireta (inclusos Fundação Florestal e Sabesp) tem ocorrido ao arrepio das advertências, reivindicações e discordâncias dos movimentos da sociedade civil que defendem tais áreas, estão no entorno delas ou que, de alguma forma, pertencem ao seu contexto”, denuncia o documento.
“Audiências públicas, reuniões formais de conselhos ou de cadeias produtivas sociais parecem marcadas e realizadas apenas para cumprimento de protocolos estéreis, e não resultam em diálogo possível entre governo e sociedade. As reivindicações feitas aos processos de desestatização são ignoradas logo após formuladas pela parte mais interessada: a sociedade”, prossegue.
De acordo com o grupo, que se propõe a defender expressamente os parques da Água Branca, Cândido Portinari, Morro Grande, Petar e Villa-Lobos, a“continuidade deste processo de ‘concessões’ de parques públicos por períodos superiores a três décadas — em condições de déficit democrático e pandemia — compromete a gestão inclusiva e é altamente temerária e potencialmente danosa à sociedade civil, aos usuários das áreas verdes e aos cofres públicos”. A seguir as reivindicações apresentadas:
- Anulação imediata do processo de venda e concessão, que é a privatização por 30 anos, de parques públicos e outras áreas verdes do Estado.
- Garantir a transparência e divulgação ampla dos processos de planejamento e tomada de decisões políticas dos territórios.
- Garantir o acesso à informação sobre estudos para o processo de gestão dos parques e áreas verdes de forma clara e com linguagem acessível para todos.
- Estabelecer que a tomada de decisões políticas seja feita a partir de estudos científicos e de impacto social, ambiental, cultural e econômico.
- Restabelecer os extintos institutos de pesquisa, para que exerçam as suas funções de gestão e fiscalização do manejo do território baseados na ciência. [Referência aos institutos Florestal, Geológico e de Botânica]
- Garantir a participação civil de maneira efetiva e democrática nas tomadas de decisão.
- Preservar o direito da população mais desfavorecida em acessar os parques públicos e unidades de conservação em todas as suas atividades, sem segregação social.
- Priorizar as demandas da população local nos processos de decisão política.
- Regulamentar mecanismos de participação civil no processo de planejamento, gestão e monitoramento de parques urbanos e unidades de conservação.
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