Sem mencionar situação de colapso e redução dos atendimentos, Superintendência do HU contesta reportagem publicada pelo “Informativo Adusp”
Ato realizado em março foi uma das muitas atividades organizadas por entidades e movimentos em defesa do HU (foto: Daniel Garcia)

A Superintendência do Hospital Universitário da USP (HU) divulgou na última segunda-feira (31/7) um comunicado no qual procura rebater diversos dados constantes da reportagem “Hospital Universitário da USP abre pregão para contratar empresa privada que vai gerir contrato com o SUS”, publicada pelo Informativo AduspOnline no dia 28/7.

A reportagem mostra que a USP abriu no último dia 18/7 um edital de pregão eletrônico na Bolsa Eletrônica de Compras do Governo do Estado de São Paulo, o Sistema BEC-SP, com o objetivo de contratar “empresa especializada na prestação de serviços de assessoria no projeto para melhoria dos processos de gestão da contratualização [sic] do Hospital Universitário para o Convênio SUS [Sistema Único de Saúde]”.

O pregão foi suspenso no dia 27/7, véspera do final do prazo para recebimento de propostas, para aguardar “a equipe técnica analisar os pedidos de esclarecimentos”, conforme informação publicada na página da BEC-SP.

O comunicado da Superintendência afirma que “é falsa a informação” de que “o Centro Cirúrgico do HU possui apenas 2 salas funcionando”. De acordo com a nota, “o Centro Cirúrgico do HU conta com 10 salas cirúrgicas, sendo destas oito plenamente operacionais”, e “funciona 24 horas por dia, com uma escala de cinco salas no período diurno e duas salas no período noturno e de fim de semana”.

“Se tivéssemos cinco salas funcionando ininterruptamente, não precisaríamos fechar o Pronto-Socorro (PS)”, rebate, em declarações ao Informativo Adusp, um médico que trabalha no hospital.

“O que acontece é que temos cinco salas prontas, mas há dias em que não temos anestesista, há dias em que não há circulante de sala [integrante da equipe de enfermagem responsável por garantir que todos os equipamentos e suprimentos necessários para a realização da cirurgia estejam disponíveis] etc.”, prossegue o médico.

“Muitas vezes não é possível marcar cirurgias eletivas. E, quando há urgências, suspende-se uma eletiva para que tenhamos o time completo para operar. Em resumo, podemos ter cinco salas prontas, mas raramente se tem toda a equipe pronta”, continua.

O médico relembra também que “há enfermarias e leitos de UTI bloqueados, dificultando a abertura de vagas para a realização de cirurgias”.

O fechamento do PS Adulto, citado pelo médico, foi uma das medidas anunciadas pelo “Comitê de Gerenciamento de Crise”, criado pelo HU, em comunicado divulgado pela Superintendência no dia 21/7.

A administração do hospital tomou outras medidas em função da situação de colapso verificada no mês de julho, quando a sala de observação do PS Adulto recebeu sistematicamente uma ocupação superior ao dobro da capacidade, chegando a ter pacientes acomodado(a)s em poltronas por dias enquanto aguardam uma maca.

O HU comunicou às centrais de regulação da Prefeitura e do Estado para não encaminhar mais pacientes para o PS Adulto do hospital e suspendeu as cirurgias eletivas até o dia 31/7.

O comunicado divulgado pela Superintendência não faz menção à situação de crise e de colapso que levou à adoção dessas medidas.

Desmonte reduziu a quase metade o número de cirurgias realizadas

Na sequência, o comunicado afirma que “é falsa a informação” de que “o edital infla o número de leitos do HU, provavelmente por desconhecer o conceito de leito instalado”. “Atualmente o HU conta com 206 leitos instalados e 135 leitos operacionais”, prossegue.

Malabarismos semânticos à parte, a realidade da qual não se pode fugir é que há uma expressiva redução do número de leitos efetivamente utilizados pelo hospital.

Como o Informativo Adusp salientou no texto contestado pela administração do HU, desde 2014 o número de leitos ativos é reduzido por conta da falta de pessoal. Até 2013, eram 233; em 2014 caíram para 211; em 2019, chegaram a 127, o menor número da série histórica.

O número de “135 leitos operacionais” citado pela Superintendência é ainda menor do que o de 145 que consta do Anuário Estatístico da USP de 2022, com dados referentes a 2021, no qual o edital se baseou.

Os 135 leitos operacionais correspondem a 58% do total disponível em 2013, ano anterior ao início do desmonte perpetrado pela gestão reitoral M. A. Zago-V. Agopyan, que tentou até mesmo desvincular o HU da universidade.

Concretamente, portanto, a constante e progressiva redução de pessoal do HU leva, por consequência direta, a uma também constante redução do número de atendimentos realizados pelo hospital. Para tomar um exemplo, reafirmando o que demonstra a reportagem contestada pela Superintendência, o número de cirurgias realizadas no HU, de acordo com os dados oficiais da USP, reflete claramente a queda nos atendimentos: em 2021, foram 2.828 cirurgias, o equivalente a 54,8% do total de 2013, quando esse número chegou a 5.159. Confira aqui um comparativo dos índices do HU no período 2009-2023.

Recuperação plena demandaria 509 contratações; Reitoria só destinou 120

O comunicado afirma que “cabe ressaltar a preocupação e a prioridade de tratamento que a atual Reitoria vem dando ao HU desde do início desta gestão”, o que seria comprovado pela destinação de 120 servidore(a)s técnico-administrativo(a)s ao hospital, de um total de 400 contratações distribuídas em toda a universidade.

Ora, as 120 contratações destinadas ao HU – que por sinal ainda não foram efetivadas na totalidade – são absolutamente insuficientes para cobrir as carências do hospital.

O quadro de pessoal de 2022, de acordo com o Anuário Estatístico da USP, era de 1.393 funcionários, contra os 1.853 de 2013, uma redução de quase um quarto.

O número de servidore(a)s realmente atuando é ainda menor, porque o Anuário Estatístico inclui funcionário(a)s contratado(a)s por tempo determinado – prática que o HU adotou especialmente a partir de 2019 –, cuja saída do hospital já estava prevista para o período seguinte.

O próprio superintendente do HU, José Pinhata Otoch, disse ao Informativo Adusp em novembro de 2022: “Os contratos temporários estarão sendo encerrados durante todo o ano de 2023, a maioria no segundo trimestre. As contratações deverão cobrir parte desses claros” (grifo nosso).

Se as reposições anunciadas pela Reitoria cobrirão “parte” da saída do(a)s temporário(a)s, como reconhece a própria Superintendência do HU, o que dizer das carências que se tornaram crônicas no quadro geral de servidore(a)s efetivo(a)s?

Para dar início ao processo de reestruturação e recuperação plena do hospital, projetando o funcionamento dos 206 leitos instalados, o Conselho Deliberativo do HU (CD-HU) apontou a necessidade da contratação de 509 profissionais por concurso público, conforme proposta enviada à Reitoria da USP em janeiro de 2022.

O total de 509 profissionais foi definido em reunião em formato remoto que o CD-HU realizou com a participação dos integrantes do Grupo de Trabalho (GT-HU), do qual a Adusp faz parte, e que atuou no âmbito do conselho a partir de 2020.

A proposta foi fechada a partir das necessidades apontadas pelos próprios setores do hospital e das projeções do GT-HU. O então superintendente do hospital, Paulo Margarido, já havia apresentado o quadro dias antes, em reunião ordinária do CD-HU, da qual participou o então reitor eleito Carlos Gilberto Carlotti Jr.

Cabe ressaltar ainda que o total de 400 contratações de servidore(a)s técnico-administrativo(a)s para a USP também é absolutamente insuficiente para cobrir a carência de reposição de funcionário(a)s nas unidades.

O número de servidore(a)s em 2022 era de 12.853, contra 17.200 registrados em 2014, uma redução superior a 25%. No período, vale lembrar, a USP ampliou o total de aluno(a)s, além de ter criado novas unidades, cursos de graduação e programas de pós-graduação.

Reservadas 120 vagas de servidores(as) para o HU, sobram apenas 280 para serem distribuídas em todo o restante da universidade, o que obviamente não repõe as deficiências causadas pelas duas edições do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV), em 2015 e 2016, e pelo período de quase dez anos sem contratações, dadas as medidas draconianas da adoção dos chamados “Parâmetros de Sustentabilidade Econômico-Financeira”, em 2017. A distribuição dessas vagas, por sinal, tem sido motivo frequente de críticas de diretore(a)s de unidades em reuniões do Conselho Universitário (Co).

O comunicado da Superintendência afirma, ainda, que “o certame licitatório foi suspenso por iniciativa do HU e não pelo governo como afirma erroneamente a

Adusp”. O esclarecimento quanto à origem da iniciativa é importante, mas não consta da página da BEC, que é uma organização mantida pelo governo estadual e foi quem suspendeu o pregão, ainda que a pedido do HU.

Por outro lado, é inusitada a explicação, presente no comunicado, de que a suspensão teve como motivo “a necessidade de se reavaliar a especificação do serviço a ser contratado”. Seria interessante que a Superintendência explicasse por que razão, depois que o pregão foi anunciado, surgiu a necessidade de “reavaliação”.

Além disso a explicação é conflitante com a fornecida na página da BEC, no dia 27/7 às 14h19, pela pregoeira responsável, Rosana Alves Vieira, de que o pregão está “pendente de solução de esclarecimentos” e de que “Estamos aguardando a equipe técnica analisar os pedidos de esclarecimentos”.

HU “é caro”, justifica Reitoria, que doou R$ 217 milhões a hospitais autárquicos geridos por OSS privadas

O comunicado afirma ainda que “a Superintendência do HU tem recebido todo o apoio da Reitoria para recompor a sua estrutura física e de instalações”.

O hospital de fato necessitava de reparos urgentes, o que ficou evidente no último verão, quando vídeos feitos por servidore(a)s registraram a água das chuvas caindo de forros e luminárias e invadindo corredores e salas de atendimento.

De outra parte, o HU mantém salas ociosas e equipamentos novos sem utilização, como os adquiridos para a ala de Pediatria, parados por falta de pessoal.

A luta pela recuperação da plena capacidade de atendimento do hospital vem sendo travada em vários âmbitos por entidades como a Adusp, o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) e o DCE-Livre “Alexandre Vannucchi Leme”, além de movimentos populares como o Coletivo Butantã na Luta.

Este último desenvolve intensa campanha pela recuperação do hospital desde 2017, quando coletou cerca de 60 mil assinaturas de moradore(a)s da região em defesa do HU. Nos anos seguintes, a mobilização das lideranças da comunidade resultou na destinação de recursos extraorçamentários por meio de emendas parlamentares na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) em valores superiores a R$ 100 milhões. Essas verbas deveriam ter sido aplicadas na contratação de pessoal, mas apenas parte delas foi destinada a essa finalidade, e ainda assim via contratos temporários.

No que depender do discurso oficial da universidade, porém, o horizonte não é alentador. O reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr. já declarou publicamente que não vai buscar a recuperação dos níveis de atendimento anteriores a 2014. Em sessão da Alesp no dia 21/6, Carlotti Jr. disse que a USP vai “investir no HU e contratar dentro do possível, provavelmente não ampliando, mas mantendo bem o que está lá e melhorando a infraestrutura”.

Em reunião do Co no dia 7/3, afirmou que “o HU custa hoje R$ 383 milhões”, o que “não é um valor pequeno”. “Aquilo lá tem que funcionar bem. Agora, não vamos ampliar porque é um serviço de saúde extremamente caro”, pretextou.

Embora alegue que os valores destinados ao HU sejam altos, contraditoriamente a Reitoria encontrou recursos para entregar aos Hospitais das Clínicas da Faculdade de Medicina (HC-FMUSP) e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP), num total de R$ 217 milhões.

Os convênios representam mais uma vultosa transferência indireta de dinheiro público para instituições privadas, pois os HCs atualmente são autarquias estaduais, e são geridos e administrados por “organizações sociais de saúde” (OSS), a Fundação Faculdade de Medicina (FFM) e a Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do HC-FMRP (Faepa) – da qual, diga-se de passagem, o próprio Carlotti Jr. já foi dirigente.

EXPRESSO ADUSP


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