Saúde
Reitor, superintendente do HU e secretário da Saúde serão convocados à Alesp para explicar desmonte e falta de contratações para a recuperação do hospital
O deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) vai propor a convocação do reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr., do superintendente do Hospital Universitário (HU), José Pinhata Otoch, e do secretário estadual da Saúde, Eleuses Paiva, à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) para prestar contas sobre a situação do HU.
Assim que forem constituídas as comissões permanentes da nova legislatura da Alesp, o que deve levar mais algumas semanas, “vou preparar um protocolo de convocação para cobrar do reitor e do superintendente o investimento no HU”, disse o deputado.
O encaminhamento foi anunciado por Giannazi no final da audiência pública contra os cortes no HU, realizada no último dia 22/3 na Alesp. Uma vez que a redução dos atendimentos no hospital afeta as unidades básicas de saúde (UBS) de toda a zona oeste da capital, os dirigentes da USP e do HU podem ser convocados a comparecer também à Comissão de Saúde, Promoção Social, Trabalho e Mulher da Câmara Municipal de São Paulo, salientou o vereador Celso Giannazi (PSOL), presente à audiência.
Um dos eixos da audiência foi a denúncia da crescente privatização dos serviços públicos de saúde. O vereador ressaltou que o município de São Paulo conta com cerca de 470 UBS, mas menos de dez delas têm atendimento direto. Todas as outras são gerenciadas pelas chamadas “organizações sociais de saúde” (OSS), que são privadas.
De acordo com Celso Giannazi, quase 70% do orçamento da saúde do município – o equivalente a cerca de R$ 8 bilhões – estão nas mãos das OSS. “Não há controle social sobre esses gastos. Absolutamente ninguém consegue fiscalizar a transferência desses recursos para as OSS”, disse. “O Tribunal de Contas do Município não fiscaliza, a Câmara e a Controladoria-Geral muito menos. As OSS apresentam uma conta de chegada final e a Prefeitura paga.”
Crescente privatização dos serviços é escolha política, e não se deve à falta de recursos
Vário(a)s participantes da audiência ressaltaram que a opção de privatizar ou terceirizar os serviços não está relacionada à falta de recursos, mas se trata de uma escolha política.
Neste ano, o Estado de São Paulo tem o maior orçamento de sua história, apontou o deputado Giannazi: são R$ 317 bilhões, enquanto o orçamento da USP também é o mais alto de sua existência, chegando a R$ 8,4 bilhões. “A USP nunca teve tanto dinheiro em seu cofre. A questão não é financeira. A USP tem os recursos, mas está transferindo-os para o setor privado”, disse.
“Um aspecto muito absurdo em termos de saúde pública e do dinheiro público é a USP desviar R$ 200 milhões do orçamento público para o pagamento de um Auxílio-Saúde que vai para empresas privadas”, confirmou Barbara Della Torre, servidora do HU e representante do(a)s servidore(a)s técnico-administrativo(a)s no Conselho Universitário (Co).
Em 2021, a folha de pagamento do HU ficou em cerca de R$ 230 milhões, apontou Barbara. “Hoje, temos R$ 200 milhões indo para a iniciativa privada em vez de se revitalizar o hospital.”
Não bastasse a falta de investimento no HU, o Co aprovou em junho do ano passado a destinação de R$ 217 milhões de recursos da USP aos hospitais das Clínicas de São Paulo (HC-FMUSP) e de Ribeirão Preto (HC-FMRP), ambos controlados por fundações privadas. As verbas integram um “plano de investimentos” da Reitoria que aportou a diversas áreas quase R$ 2 bilhões resultantes de superávits da universidade. Essas “sobras” foram geradas “pela restrição orçamentária dos últimos anos, mas que não deve existir de forma permanente”, justificou na época o reitor, utilizando eufemismos para se referir ao arrocho salarial que garantiu os superávits.
Gestão reitoral faz avançar agenda neoliberal na universidade
A presidenta da Adusp, Michele Schultz, lembrou na audiência da Alesp que o desmonte do HU começou na gestão de um médico, o ex-reitor M. A. Zago (2014-2018), que atacou também as creches da USP. “Zago dizia que esses equipamentos de saúde e educação eram ‘assistencialistas’. Nós os entendemos como equipamentos de formação de estudantes e de prestação de assistência à população, que é um elemento incluído na formação dos estudantes de saúde previsto no SUS [Sistema Único de Saúde]”, afirmou.
A Creche Oeste, por sinal, que permanece fechada desde 2016, acaba de ser objeto de um protocolo de intenções da USP com a Prefeitura de São Paulo, o que pode implicar, uma vez firmado um convênio entre as partes, entregar a sua gestão a uma “organização social” privada.
“Muitos colegas e funcionários acreditavam numa possibilidade de mudança com a gestão de Carlotti, que também é médico e de Ribeirão Preto, como o Zago, e da Maria Arminda. Eles se elegeram com uma maquiagem progressista, mas na verdade é o mesmo projeto. Diria até que estão avançando muito rapidamente no projeto neoliberal dentro da universidade”, prosseguiu Michele Schultz.
Na avaliação da professora, “o que está por trás de todas essas iniciativas é a lógica neoliberal, que entende saúde e educação como mercadorias”.
O mais recente ataque, no âmbito das diversas iniciativas que colocam na ordem do dia a lógica meritocrática e produtivista da gestão reitoral, “é que às vésperas da campanha salarial foram dadas algumas ‘benesses’, como o pagamento de um prêmio e um outro tipo de gratificação que vai ser extremamente danoso para a universidade por dividir os docentes e os funcionários”.
“Alegando efeitos das reformas da Previdência, estão instituindo um processo de compensação que não compensa e implementa uma diferença absurda entre funcionários e docentes”, afirmou a presidenta da Adusp. “Isso cria uma animosidade que pode ser irreversível.”
Michele Schultz enfatizou ainda que é preciso defender a democratização para dentro da universidade e do HU. O Grupo de Trabalho formado pelas entidades no âmbito do Conselho Deliberativo do HU (GT-HU) apresentou uma proposta de democratização da gestão do hospital que foi desconsiderada, relatou. “Atacar o acesso à saúde pública e à educação pública é um ataque à democracia”, afirmou.
Redução de atendimentos prejudica formação de estudantes
Os problemas estruturais do HU também foram denunciados na audiência. Antes do desmonte iniciado na gestão M.A.Zago-V. Agopyan, o hospital realizava cerca de 17 mil atendimentos por mês, e nos últimos anos passou a fazer cerca de 5 mil.
Lester Amaral Junior, da coordenação do Coletivo Butantã na Luta – que desde 2016 trabalha com movimentos populares e a comunidade para a recuperação plena do HU –, lembrou que ao longo de seus 42 anos de história o HU vem se constituindo como referência importante para os cinco distritos e 107 comunidades da região.
Amaral relatou ter participado de reunião com superintendente e outros representantes da administração do HU no mesmo dia da audiência, na qual se garantiu que foi afastada a ideia de terceirização ou de passagem da gestão do hospital para uma OSS. “O que está claro é que há um projeto ‘minimalista’ para o HU, o que certamente influencia muito na qualidade do ensino”, lamentou, apontando os prejuízos para a formação de centenas de estudantes de cursos da área da saúde da USP: “Se antes havia 9 ou dez situações de ensino-aprendizagem por dia, hoje muitas vezes se interage com uma pessoa só.”
Na reunião do Co realizada no último dia 7/3, Carlotti afirmou que a Reitoria não vai investir na retomada da capacidade plena de atendimento do HU. O reitor considera que o HU é um “serviço extremamente caro” e que não há condições de fazê-lo voltar a operar nos moldes anteriores ao desmonte.
Na avaliação de Amaral, “há um descompromisso da universidade e do reitor com o HU”. “Acho que só tem um jeito: toda a comunidade voltar à luta muito forte pelo HU”, defendeu.
O deputado Giannazi ressaltou que o Hospital Universitário é um dos poucos hospitais públicos do Estado cuja gestão ainda não foi entregue a uma OSS ou fundação privada. “Temos que envolver toda a sociedade na defesa do HU, da saúde pública e do SUS”, afirmou.
Em carta aberta, o deputado Guilherme Cortez (PSOL) manifestou seu apoio à mobilização pela recuperação do hospital. “Temos um compromisso integral com a luta contra o desmonte e pela valorização e investimento no Sistema Único de Saúde, sendo necessário criar condições para que o Hospital Universitário retome seu pleno funcionamento”, escreveu.
Também participaram da audiência representantes do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), do DCE-Livre “Alexandre Vannucchi Leme” e do Fórum Popular de Saúde de São Paulo, além de profissionais da saúde e moradores da região do Butantã.
Ataque de hackers paralisa sistemas operacionais do hospital
Para complicar a situação do HU, ele foi alvo, em 22/3, de um ataque de hackers criminosos, que exigem o pagamento de um “resgate”. De acordo com informações publicadas pelo colunista Guilherme Amado no portal jornalístico Metrópoles, os cerca de 600 computadores do hospital foram paralisados por um ransomware, vírus que bloqueia o acesso do usuário às máquinas.
Empresas privadas costumam ser alvo desse tipo de ataques, sendo surpreendente e até extravagante que dessa vez a vítima seja uma instituição pública de saúde, sabendo-se que no poder público qualquer negociação desse tipo, envolvendo pagamento de “resgate”, é praticamente inviável. Sem falar no tratamento hostil que a Reitoria dispensa ao HU.
“Tivemos todos os sistemas prejudicados, estamos reformatando todas as máquinas do hospital. É um processo lento, estamos priorizando as áreas assistenciais e não temos um prazo definitivo para dizer quando vai ser normalizada a situação”, declarou ao Metrópoles Walter Cintra Ferreira, diretor do HU.
Enquanto sua equipe busca recuperar os backups dos arquivos afetados, documentos do cotidiano hospitalar vêm sendo preenchidos à mão uma vez que os sistemas virtuais estão indisponíveis.
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