Serviço Público
“Há um erro básico na privatização da Sabesp, não há razões que a justifiquem”, avalia o professor Pedro Côrtes (IEE)
Neste domingo (23) será realizado ato público na Avenida Paulista, a partir das 10 horas, em defesa da estatal de água e saneamento, do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, alvos do programa de desestatização do governo Tarcísio
“Há um erro básico na intenção de privatizar a Sabesp, pois em nenhum momento o governo do estado de São Paulo apresentou justificativas para que essa privatização se realize. Não foi informado quais benefícios poderiam ser gerados para a população”, declarou ao Informativo Adusp o professor Pedro Luiz Côrtes, do Instituto de Energia Elétrica e Ambiente (IEE-USP), a propósito da contratação da International Finance Corporation (IFC), agência vinculada ao Banco Mundial, para a realização de estudos sobre a desestatização da empresa de abastecimento de água e saneamento.
O governo Tarcísio Freitas (Republicanos)-Felício Ramuth (PSD), que pretende vender a estatal paulista até julho de 2024, contratou a IFC, sem licitação, por um valor que pode chegar a R$ 45 milhões, caso o estudo prévio a ser desenvolvido pela agência chegue à conclusão de que é acertada a decisão, anunciada reiteradas vezes pelo governador, de privatizar a Sabesp. Fundada em 1973, ela responde pelo fornecimento de água, coleta e tratamento de esgotos de 375 municípios.
Atualmente, o governo estadual detém o controle da Sabesp, mas só possui 50,3% do capital social da empresa. Os restantes 49,7% pertencem ao capital privado, sendo que 36,9% são negociados na Bolsa de Valores de São Paulo e outros 12,8% na Bolsa de Nova York. A privatização parcial da estatal paulista mediante abertura do capital teve início em 2002, sob o governo Alckmin (PSDB). Até aquele momento, o estado de São Paulo detinha 88,2% das ações e o mercado apenas 11,8%.
“Apresenta-se a privatização como um dogma, um ponto apresentado como certo e indiscutível quando na verdade não há razões que justifiquem a privatização da Sabesp”, continua Côrtes, que é docente dos programas de pós-graduação em Ciência Ambiental do IEE (Procam) e em Ciências e Tecnologia do Ambiente da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, em Portugal. Ele é, igualmente, professor titular do Departamento de Informação e Cultura da Escola de Comunicações e Artes (ECA).
“Ela é uma empresa eficiente, superavitária, distribui dividendos aos seus acionistas, tem alta capacidade técnica e grande capacidade de realizar investimentos (seja com recursos próprios ou contratados junto a órgãos de financiamento ou fomento)”, diz o professor, que reiterou declarações que concedera, em junho, ao site especializado InfoMoney. “Portanto, antes de qualquer contratação de empresa para desenvolver o estudo preparatório da privatização, seria fundamental discutir com a população se a privatização se faz necessária e quais os eventuais benefícios que isso poderia gerar”.
No primeiro trimestre de 2023, a receita operacional líquida da Sabesp totalizou R$ 5,698 bilhões, um acréscimo de 17% comparativamente ao mesmo período de 2022. Os custos e despesas, por sua vez, somaram R$ 4,326,8 bilhões, um acréscimo de 15,6% sobre idêntico período do ano passado. O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (EBITDA, na sigla em inglês) ajustado somou R$ 2 bilhões, em números redondos, o que representa variação positiva de 18%. Tais cifras mostram saúde financeira, embora parte da mídia tenha preferido destacar a redução de 23% no lucro líquido no trimestre, que caiu para “apenas” R$ 747 milhões.
Côrtes criticou também o “programa de desligamento incentivado” (PDI) implantado pela direção da Sabesp entre maio e junho de 2023, que obteve a adesão de 1.862 funcionários (perto da meta proposta, de 2.000). “Parece que a Sabesp já está se preparando para a privatização, procurando reduzir seus custos fixos com mão de obra. Parece que há um esforço para tornar a empresa mais atrativa para os fundos de investimentos. Não vejo outra explicação para esse processo de ‛desligamento incentivado’”, afirmou o docente do IEE.
Confira, a seguir, as perguntas encaminhadas ao professor e a íntegra de suas respostas.
Como avalia a realização de contrato de financiamento de R$ 1 bilhão, firmado, sem licitação, com a IFC, agência do Banco Mundial?
Côrtes- Segundo consta, esse financiamento foi para a obtenção de recursos que serão aplicados no saneamento básico, em especial para a continuidade do projeto de despoluição do Rio Pinheiros. Em princípio, não vejo problema em relação a esse contrato.
Como avalia a contratação da mesma IFC por cerca de R$ 46 milhões, segundo a Folha de S. Paulo, para desenvolver o estudo preparatório da privatização?
Côrtes- Há um erro básico na intenção de privatizar a Sabesp, pois em nenhum momento o governo do estado de São Paulo apresentou justificativas para que essa privatização se realize. Não foi informado quais os benefícios que poderiam ser gerados para a população.
Apresenta-se a privatização como um dogma, um ponto apresentado como certo e indiscutível quando na verdade não há razões que justifiquem a privatização da Sabesp. Ela é uma empresa eficiente, superavitária, distribui dividendos aos seus acionistas, tem alta capacidade técnica e grande capacidade de realizar investimentos (seja com recursos próprios ou contratados junto a órgãos de financiamento ou fomento).
Chegou-se a comentar que a privatização “aumentaria e eficiência” da empresa. Pois bem, se for esse o caso, quais são os índices que mensuram essa eficiência e qual a sua evolução nos últimos 20 anos? Além disso, seria importante explicar como uma eventual privatização poderia melhorar a eficiência da empresa. Nada disso é feito. Como eu disse, apresenta-se a privatização como um dogma incontestável.
Portanto, antes de qualquer contratação de empresa para desenvolver o estudo preparatório da privatização, seria fundamental discutir com a população se a privatização se faz necessária e quais os eventuais benefícios que isso poderia gerar.
Em meio a essa discussão, uma oportunidade que se perde é a discussão sobre qual o modelo de sistema de abastecimento que vamos utilizar, nas próximas décadas, na Região Metropolitana de São Paulo (com 39 municípios e mais de 20 milhões de habitantes). O sistema atual, de armazenar água da chuva em grandes represas – como é comum em diversas cidades – já não se mostra capaz de enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas.
Estamos enfrentando longos períodos de estiagem intercalados com pequenos períodos de chuvas intensas (como ocorreu no último verão). Apenas para se ter uma ideia, a última vez que o Sistema Cantareira ultrapassou 80% de sua capacidade foi em 2011. Portanto, há 12 anos que isso não acontece.
Vamos investir em captação de água subterrânea, no reúso de água, na educação ambiental? Essas e outras possibilidades não são discutidas. Além disso, em uma eventual privatização, a quem caberia repensar o modelo de abastecimento? Isso é negligenciado.
A direção da Sabesp implantou um programa de “desligamento incentivado” (PDI) que prevê 2 mil demissões voluntárias. No entanto, a Sabesp é uma empresa que tem finalidades sociais e que não enfrenta maiores problemas financeiros. Que opinião o sr. tem sobre esse PDI?
Côrtes- Parece que a Sabesp já está preparando a empresa para a privatização, procurando reduzir seus custos fixos com mão de obra. Parece que há um esforço para tornar a empresa mais atrativa para os fundos de investimentos. Não vejo outra explicação para esse processo de “desligamento incentivado”.
Isso é muito ruim, pois há o sério risco de perder quadros técnicos com grande especialização e competência. É mais uma decisão que não encontra justificativa diante do quadro eficiência da empresa e do fato de ela ser superavitária e distribuir dividendos aos seus acionistas.
Ato público na Avenida Paulista contra privatização de Sabesp, Metrô e CPTM
Neste domingo (23/7) será realizado um ato público na Avenida Paulista, a partir das 10 horas, em defesa da Sabesp, do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), principais alvos do programa de desestatização do governo Tarcísio de Freitas-Felício Ramuth.
A convocatória do ato partiu de três entidades representativas: Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), Sindicato dos Metroviários de São Paulo e Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Central do Brasil.
Fortaleça o seu sindicato. Preencha uma ficha de filiação, aqui!
Mais Lidas
- Novo modelo proposto pelo MEC redireciona e elitiza a pós-graduação nacional, “formando para o mercado e não para a docência e pesquisa”, adverte GT do Andes-SN
- Sem dar detalhes, Carlotti Jr. anuncia início de estudos para nova etapa da progressão docente; na última reunião do ano, Co aprova orçamento de R$ 9,15 bilhões para 2025
- Em carta ao reitor, professor aposentado Sérgio Toledo (84 anos), da Faculdade de Medicina, pede acordo na ação referente à URV e “imediato pagamento dos valores”
- Processo disciplinar que ameaça expulsar cinco estudantes da USP terá oitivas de testemunhas de defesa e de acusação nos dias 13 e 14 de novembro
- Diretor da Faculdade de Direito afasta docente investigado por supostos abusos sexuais; jurista contesta medida