Projeto que descongela contagem de tempo do período da pandemia pode ser votado nesta quarta (8/11), em comissão da Câmara dos Deputados
Audiência reuniu representantes de entidades na Câmara Municipal de São Paulo (Foto: Rede Câmara)

O Projeto de Lei (PLP) 21/2023, que trata do descongelamento do tempo de trabalho confiscado do funcionalismo público, para fins de pagamento de benefícios como quinquênio, sexta-parte e licença-prêmio, é o primeiro item da pauta da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados e pode ser votado na reunião do colegiado já na manhã desta quarta-feira (8/11).

O voto do relator na comissão, deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP), é favorável ao projeto. “Temos que movimentar a nossa base e pressionar deputados e deputadas para que votem com o relator”, afirmou a deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP), autora do projeto.

O relato sobre o andamento da tramitação foi feito pela deputada em audiência pública realizada na Câmara Municipal de São Paulo na noite desta segunda-feira (6/11), da qual participaram representantes de entidades e sindicatos do funcionalismo público municipal e estadual. Também estavam presentes o deputado estadual Carlos Giannazi e o vereador Celso Giannazi, ambos do PSOL.

De acordo com a deputada, foi difícil convencer a equipe técnica da comissão de que o descongelamento do tempo de serviço não fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, argumento contrário sempre apresentado para tentar barrar a proposta.

Passando por esse colegiado, o PLP 21/2023 precisa tramitar também pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para, uma vez aprovado, ser finalmente encaminhado ao plenário da Câmara.

“Estamos numa corrida contra o tempo”, afirmou a deputada. Estrategicamente, avalia, seria interessante que a CCJ pautasse e aprovasse o projeto ainda neste ano, porque a presidência da comissão é ocupada pelo deputado Rui Falcão (PT-SP), simpático à proposta, e no ano que vem todas as comissões terão novos(as) presidentes(as), o que pode dificultar a tramitação do PLP.

Luciene Cavalcante considera que a aprovação na Comissão de Finanças e Tributação pode ser mais difícil do que no primeiro colegiado pelo qual o projeto passou, a Comissão de Administração e Serviço Público, composta por maior número de parlamentares que concordam com o descongelamento. É possível, disse, que algum(a) deputado(a) peça vista, o que adiaria a votação do relatório de Boulos — daí a importância de pressionar os(as) integrantes da comissão a aprovar o PLP, reforçou.

Servidores(as) utilizaram recursos próprios para realizar seu trabalho, lembra presidenta da Adusp

O “confisco” dos 583 dias (de 28/5/2020 a 31/12/2021) da contagem do tempo de serviço do funcionalismo público para a concessão de benefícios foi estabelecido pela Lei Complementar (LC) 173/2020, promulgada no governo Jair Bolsonaro (PL), que estabeleceu o “Programa Federativo de Enfrentamento à Covid-19”.

“A lei tratava de repasses de recursos do governo federal a estados e municípios durante a pandemia, e no meio dessa transferência o [ex-ministro] Paulo Guedes colocou a ‘granada no bolso’ dos servidores públicos obrigando os estados e municípios a aplicar uma minirreforma administrativa, que entre outras coisas cancelou os concursos e o nosso tempo”, disse a deputada, fazendo alusão a uma frase proferida pelo próprio Guedes durante reunião ministerial do governo Bolsonaro.

“Durante a pior fase da pandemia, nós, servidores e servidoras que atuamos na linha de frente daquele período terrível, trabalhamos sem estrutura, sem equipamentos de proteção individual, sem o mínimo de apoio, e muitas vezes comprando material com os nossos próprios recursos para poder manter os serviços prestados à população”, afirmou.

A deputada qualificou o congelamento como uma medida “extremamente grave, perversa e nefasta”. Além de restituir a contagem de tempo ao funcionalismo em todos os níveis (municipal, estadual e federal), o PLP 21/2023 trata do pagamento retroativo dos benefícios eventualmente adquiridos no período.

A presidenta da Adusp, professora Michele Schultz, que também representou o Fórum das Seis na audiência, lembrou que a LC 173/2020, além de congelar a contagem de tempo, ainda impediu contratações e proibiu a concessão de reajustes salariais no período. Ao ser incorporado à lei, esse “jabutizão”, definiu, “obviamente teve impacto na qualidade do trabalho que vínhamos desenvolvendo”.

“Não só nós continuamos trabalhando como financiamos o nosso trabalho. Utilizamos a estrutura das nossas casas, a nossa energia elétrica, compramos equipamentos, computadores, câmeras, para de fato garantir o trabalho”, descreveu. “As pessoas trabalharam muito mais, tiveram que se preparar, adaptar conteúdos, preparar novas formas de atuar.”

Condições de trabalho na pandemia favoreceram adoecimento

Michele ressaltou que a mistura entre ambiente de trabalho e ambiente privado causou muitos problemas, resultando inclusive em adoecimento. “Temos um conjunto enorme de trabalhadores e trabalhadoras que adoeceram e não se recuperaram até hoje”, destacou.

A presidenta da Adusp se referiu também à LC 191/2022, que garantiu a contagem de tempo do período da pandemia a profissionais da saúde e da segurança pública. Na avaliação da professora, é muito complicado hierarquizar qual é o serviço mais importante. “Sempre penso nos servidores da limpeza pública ou nos do INSS, que tiveram que garantir o pagamento do auxílio emergencial”, enfatizou.

A professora relatou que não avançou a luta para que pesquisadores(as) e servidores(as) das universidades que trabalharam em projetos como desenvolvimento de equipamentos ou criação de portais sobre a Covid-19 também fossem considerados(as) trabalhadores(as) da área da saúde. Na avaliação das reitorias, apenas aqueles(as) que atendiam diretamente no Sistema Único de Saúde (SUS) tiveram a reposição na carreira do tempo de serviço do período para a concessão de benefícios.

Foto: site de Carlos GiannaziFoto: site de Carlos Giannazi
Michele Schultz: servidores(as) trabalharam mais no período da pandemia

“Devemos encarar o pagamento dos 583 dias não só como garantia do direito adquirido, mas também como compensação de tudo o que trabalhamos a mais”, defendeu Michele.

A professora se disse esperançosa porque, mesmo com muitas lutas pela frente, “a juventude nos mostra gás para se mobilizar e obter conquistas”, fazendo referência à greve estudantil recentemente encerrada na USP. “Temos que combater a desesperança, o individualismo exacerbado, que cai na competitividade, no produtivismo etc. Temos muito desafios, mas estou aqui cheia de gás, como mostra essa juventude que é com quem temos contato diariamente na universidade”, concluiu.

Tribunais de Contas estaduais já aprovaram medida; em SP, governo recorre ao STF

A deputada Luciene Cavalcante mencionou também outras frente de luta pelo fim do congelamento da contagem de tempo, como a defesa da pauta em alguns ministérios e a realização do abaixo-assinado “Descongela Já”, que conta com quase 158 mil adesões.

Em vários estados do país, como Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina, os tribunais de contas têm aprovado a contagem de tempo para a concessão de benefícios, embora sem considerar a retroatividade.

Em São Paulo, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) também aprovou parecer pelo descongelamento. Entretanto, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a medida, obtendo liminar favorável do ministro Alexandre de Moraes. O processo segue em tramitação na corte.

“Já poderíamos ter avançado, mas essa política de ódio e destruição dos serviços públicos no estado de São Paulo é muito forte”, lamentou a deputada.

Solidariedade com marinheiros que Reitoria quer retirar das embarcações do IO

Na audiência, o deputado Carlos Giannazi expressou solidariedade e propôs que a audiência aprovasse uma moção de apoio aos marinheiros que trabalham nos navios “Alpha Crucis” e “Alpha Delphini”, embarcações de pesquisa do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, que a Reitoria retirou da folha de pagamento da universidade e quer que saiam dos navios, sem realizar o pagamento de verbas indenizatórias.

A professora Michele Schultz qualificou a situação como “bastante constrangedora”. “Muitos desses marinheiros estão há décadas trabalhando lá. Eles foram contratados sem concurso público por conta de um grande erro da universidade e, depois de décadas de dedicação, estão simplesmente sendo descartados sem que tenham seus direitos pagos”, descreveu a presidenta da Adusp. “Estamos lutando para que tenham seus direitos garantidos.”

De acordo com a professora, o caso “é muito representativo de como nós somos tratados não só pelos governos nos três âmbitos, mas também pelos gestores que assumem os órgãos — no nosso caso, os reitores das universidades”.

EXPRESSO ADUSP


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