Universidade
Reitor celebra acordo com a Shell e anuncia “escritório” do RCGI-USP em Amsterdã
Projeto do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), aprovado em novembro passado pelo Conselho Universitário, não prevê sucursais ou representações no exterior
A Reitoria da USP anunciou oficialmente, nesta quarta-feira (7/2), que a universidade terá “um escritório do Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI, Research Centre for Greenhouse Gas Innovation) em Amsterdã, na Holanda”, o qual ficará sediado no “Campus de Transição Energética (ETCA)”, que vem a ser “um espaço colaborativo inovador instalado na mesma região do centro de tecnologia da Shell”.
Ainda segundo a Reitoria, o escritório a ser inaugurado em Amsterdã “é resultado da parceria da Universidade com a Shell”, formalizada no dia 5/2, naquela cidade. O acordo de cooperação foi assinado em cerimônia que contou com a presença de Micky Adriaansens, ministra da Economia e Política Climática da Holanda; de Carlos Gilberto Carlotti Junior, reitor da USP; de Julio Meneghini, diretor executivo e científico do RCGI; e de Yuri Sebregts, vice-presidente executivo de Tecnologia do Grupo Shell.
É digno de nota o fato de que o RCGI, que existia desde 2014 como um centro de pesquisas em engenharia (CPE) vinculado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi oficialmente “criado” na reunião de novembro de 2023 do Conselho Universitário (Co), porém na condição de centro diretamente vinculado ao Gabinete do Reitor (como outros cinco “centros de estudos” criados pela Reitoria e Co no ano passado).
Como já assinalado pelo Informativo Adusp Online em matéria anterior sobre os “centros de estudos”, os pareceres favoráveis de órgãos (Coordenadoria de Administração Geral e Procuradoria Geral) e de comissões assessoras (Comissão de Orçamento e Patrimônio-COP e Comissão de Legislação e Recursos-CLR) que subsidiaram a decisão do Co mencionam como despesas decorrentes da criação dessas estruturas tão somente as verbas de representação de coordenador e vice-coordenador dos centros. Cabe indagar se o escritório do RCGI em Amsterdã será inteiramente financiado pela Shell ou por “fundos de pesquisa europeus” citados pelo reitor em declaração publicada no Jornal da USP, ou se implicará despesas adicionais ao Orçamento da USP.
Por outro lado, o projeto submetido ao Co e aprovado em novembro não faz qualquer menção nem à parceria com a Shell (que, no entanto, sempre foi a principal financiadora do CPE-Fapesp), nem à abertura de um escritório do RCGI na Holanda, nem a quaisquer custos ou despesas permanentes ou eventuais. No entanto, o diretor executivo e científico desse centro, Júlio Meneghini, que esteve presente à cerimônia de 5/2 em Amsterdã, é um dos autores do projeto. Ele declarou ao Jornal da USP que a “ideia é ter sempre ao menos um professor envolvido com os projetos do RCGI no ETCA”, e que o escritório funcionará também “como uma base da USP, para prospecção de novas possibilidades de projetos com universidades e empresas”.
O ETCA é um “edifício sustentável de última geração que reflete a ambição comum de oferecer soluções inovadoras para a transição energética”, segundo o Jornal da USP. “Mais de 20 empresas de inovação [sic] estão associadas ao ETCA atualmente, com direito a coworking, acesso a eventos, serviços e laboratórios projetados para escalar tecnologias sustentáveis”, descreve a publicação, de modo um tanto entusiástico.
A parceria da USP com a gigantesca multinacional de petróleo e gás levanta questões de toda ordem, inclusive geopolíticas. A empresa anglo-holandesa é parceira da Petrobras em vários negócios e projetos, inclusive em consórcios de exploração do Pré-Sal, e é a segunda produtora de petróleo do Brasil, com mais de 400 mil barris de óleo equivalentes por dia. A Shell registrou lucro recorde em 2022, após a invasão da Ucrânia pela Rússia: US$ 39,9 bilhões. Em 2023, o lucro foi bem menor: “apenas” US$ 28 bilhões.
Recentemente, a empresa transferiu sua sede oficial da Holanda para o Reino Unido, onde goza de privilégios fiscais. “Enquanto o povo britânico encara um aumento de 40% no preço da energia em abril, o governo está permitindo que as empresas de combustíveis fósseis tenham lucros exorbitantes ao se recusar a implementar um imposto extra adequado”, declarou, em 2023, Ed Miliband, secretário de Mudanças Climáticas do Partido Trabalhista, conforme o portal G1.
Um dos motivos apontados pela mídia para a mudança de sede foi a pressão da Justiça holandesa contra a Shell, para que reduzisse suas emissões de gases de efeito estufa, informou o portal MegaWhat. Em maio de 2021, em decisão considerada histórica, o Tribunal Distrital de Haia acatou ação judicial proposta por grupos ambientalistas e ordenou que a Shell reduzisse suas emissões de CO2 em 45% até 2030, em relação a 2019, tanto em suas próprias operações como em emissões pelo uso do petróleo que produz (uso final).
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