Na Alesp, Carlotti defende manutenção do financiamento público pós-reforma tributária; no Co, se diz preocupado com “desconhecimento” de parlamentares sobre a USP
Reitor destacou "excelência" como palavra-chave (foto: Marcos Santos/USP Imagens)

Em reunião do Conselho Universitário (Co) realizada no último dia 27/6, o reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr. fez observações que qualificou como “quase um desabafo” a respeito das manifestações que ouviu de deputados e deputadas estaduais em reunião conjunta das comissões de Educação e de Ciência, Tecnologia e Inovação da qual participara na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) dias antes, em 21/6.

O reitor se disse “preocupado” por não saber “se as pessoas não conhecem a universidade, não querem conhecer ou fingem que não conhecem”. “Não sei exatamente o que é, mas acho que nós precisamos melhorar o contato com o mundo político”, observou a conselheiros e conselheiras. “Acho que a gente precisa mostrar melhor a universidade para que cheguem à Alesp coisas mais reais. Não estou dizendo positivas no sentido ufanista, no sentido irreal, mas eles precisam conhecer o que a gente faz em todas as áreas do conhecimento, em todas as modalidades, o progresso social que estamos influenciando na sociedade paulista e na brasileira.”

“Tínhamos deputados progressistas e deputados mais conservadores fazendo perguntas, o que talvez espelhe a situação política que estamos vivendo. Praticamente não tinha pessoas de centro, pelo menos na minha interpretação. Senti que falta conhecimento [sobre a universidade] mesmo naqueles deputados que a gente imagina que defendem a ciência, defendem o progresso científico”, afirmou, acrescentando que a universidade precisa se “comunicar muito bem” para poder “ter apoio político nos próximos anos”.

Na reunião da Alesp, que durou cerca de três horas e à qual compareceu acompanhado da cúpula da Reitoria da USP, Carlotti fez uma espécie de “prestação de contas” da gestão, num tom que o deputado Carlos Giannazi (PSOL) classificaria na sessão de perguntas de “meio empresarial, como se o senhor estivesse falando para acionistas de uma empresa”.

De fato, Carlotti ressaltou em sua apresentação que “a palavra-chave sempre tem que ser “excelência”. “Sempre o desejo de buscar excelência, de servir o melhor possível à sociedade paulista, tanto na produção de conhecimento quanto na transmissão de conhecimento para a sociedade.”

Ao Co, o reitor disse que, depois de “todas as realizações que apresentou”, não houve nenhum elogio à USP, apenas a menção de passagem feita pela deputada Marina Helou (Rede) à criação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP).

A bem da verdade, o deputado Guilherme Cortez (PSOL), egresso da Unesp, onde atuou intensamente no movimento estudantil, afirmou que “é muito importante defender e valorizar as universidades estaduais paulistas, que são um verdadeiro patrimônio do povo do Estado de São Paulo”. Cortez defendeu a importância da manutenção da autonomia e do financiamento público das universidades.

Reitor defende destinação de percentual da arrecadação total, como ocorre na Fapesp

O futuro do financiamento da universidade, por sinal, foi um dos temas citados várias vezes por Carlotti. Embora tenha afirmado que a situação da USP não seja mais a que caracterizou a chamada “crise econômico-financeira” a partir de 2014, que motivou medidas como a adoção dos “Parâmetros de Sustentabilidade” e a suspensão de contratações, o reitor se disse “muito preocupado” com a arrecadação do ICMS, que na média dos cinco primeiros meses do ano estava cerca de 8,5% abaixo da previsão da Lei Orçamentária Anual (LOA).

“Isso certamente está preocupando o governo do Estado, deve estar preocupando a Alesp, e nós, como temos uma cota-parte do ICMS, acabamos nos preocupando também”, afirmou. Carlotti manifestou a expectativa de que a arrecadação melhore no segundo semestre do ano.

Marcos Santos/USP ImagensMarcos Santos/USP Imagens
Sessão conjunta durou cerca de três horas

O(a)s parlamentares questionaram o reitor sobre o financiamento das universidades estaduais paulistas com a perspectiva de mudanças a partir da reforma tributária. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019 foi aprovada em dois turnos, com a segunda votação realizada já na madrugada desta sexta-feira (7/7). O texto segue agora para o Senado.

A PEC estabelece a fusão do PIS, Cofins e IPI (tributos federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) num Imposto sobre Valor Agregado (IVA). O novo sistema terá uma parcela da alíquota administrada pelo governo federal por meio da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e outra administrada por estados e municípios pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A transição para o novo modelo deve ser feita ao longo de dez anos.

“É uma situação bastante complexa”, reconheceu a deputados e deputadas o reitor, que disse também que as universidades estavam “num momento até perigoso” pela falta de definição até então a respeito dos novos impostos. “Claro que, terminando o ICMS, vamos ter que encontrar outra forma, transformar o valor financeiro em porcentagem e ser o mesmo valor financeiro.”

De acordo com o reitor, o modelo de financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que recebe 1% sobre todas as receitas do Estado, “seria muito bom” para as universidades.

Carlotti relatou que, antes da eleição do ano passado, fez essa proposição aos então candidatos Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Fernando Haddad (PT) e que “os dois se posicionaram favoravelmente”.

“Vamos ter que negociar com o governo e tenho todas as sinalizações de que vai ser uma negociação proveitosa, mas vocês também [parlamentares] são importantes em manter isso”, disse. “O governador Tarcísio falou que primeiro se faz a mudança no imposto, a reforma tributária, e depois a gente acerta o valor.”

Carlotti enfatizou ainda que uma mudança sempre “gera um certo estresse”. Desde 1989, argumentou, “o modelo de financiamento é vitorioso e colocou as três universidades paulistas como as três maiores do Brasil.” Esse foi “um ganho não da universidade, mas do povo paulista”, e “São Paulo não pode perder isso”, defendeu.

Carlotti elogia iniciativas na inovação e na parceria com setor privado

Em sua apresentação, Carlotti ressaltou a “valorização das pessoas” na universidade e a necessidade de aprofundar as relações com a sociedade. Mencionou a entrada de mais aluno(a)s da escola pública e preto(a)s, pardo(a)s e indígenas (PPI) na USP, e apresentou o projeto de avaliação seriada do(a)s estudantes do ensino médio público de São Paulo, em conjunto com a Unesp e a Unicamp, para a adoção do chamado “vestibular paulista”.

Falou sobre projetos de mudanças curriculares e a possibilidade de, mantendo o caráter presencial, “incorporar algumas ferramentas digitais que nós aprendemos durante a pandemia”.

Entre outros pontos que qualificou de “realizações”, ressaltou que a universidade aumentou seu percentual de conceitos 6 e 7 na última avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e antecipou que a USP estaria pela primeira vez entre as 100 melhores universidades do mundo no ranking QS. O anúncio oficial foi feito dias depois e comemorado por Carlotti em artigo publicado na Folha de S. Paulo que segue o tom de “realizações” da apresentação na Alesp.

Além de mencionar pesquisas na área ambiental e médica, o reitor fez questão de destacar a ênfase da USP na inovação, com a criação de uma pró-reitoria adjunta para a área. No capítulo inovacionista-empresarial, uma das motivações da observação do deputado Giannazi, ressaltou a reforma no Centro de Inovação e Empreendedorismo (Cietec), na área do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), “para aumentar a capacidade de recebermos incubadoras”.

“Existe também a possibilidade de termos participação em desenvolvimento de biotecnologia com a colaboração do comitê da Fiesp [Federação da Indústrias do Estado de São Paulo]” responsável pela área, descreveu.

Carlotti enfatizou ainda a criação de novos centros interunidades, como o Centro Observatório USP das Instituições Brasileiras, coordenado pela vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda e pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, docente da Faculdade de Direito, e de outros em parceria com instituições internacionais, como o Instituto Pasteur, da França.

Mencionou um trabalho sobre o chamado “DNA USP” no setor privado, “que já identificou quase 2 mil empresas criadas por egressos da universidade” – os logos de algumas delas foram exibidos no telão na apresentação preparada pelo reitor. O setor privado foi destacado ainda com as afirmações de que “a maioria dos unicórnios no Brasil” tem fundadore(a)s uspiano(a)s e de que “45% de todo o investimento em startups no Brasil vêm de ex-alunos da USP ou de professores da USP”.

Em vários momentos, o reitor reconheceu que os investimentos feitos pela USP em algumas áreas ainda são insuficientes, como na atuação em relação às questões de saúde mental; na moradia estudantil, para a qual prometeu “grande investimento” em melhorias; no montante de bolsas e de verbas destinadas à permanência estudantil; e na contratação de docentes e servidore(a)s para as unidades e em especial para o Hospital Universitário (HU).

Deputado aponta contradição entre discurso e realidade

Na sessão de perguntas, o deputado Giannazi ressaltou que percebeu “uma contradição, um abismo entre esses indicadores e a realidade concreta da universidade que estamos acompanhando há muitos anos”. Uma delas foi a falta de docentes no curso de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), tema de uma audiência pública realizada na Alesp em maio.

Giannazi falou ainda da degradação do Hospital Universitário (HU). “O sucateamento do HU me parece que não é incompetência, mas faz parte de um projeto político de destruição de um hospital público que sempre foi de excelência, que atende à comunidade universitária e à população em geral”, disse. O deputado mencionou ainda a proposta de terceirização da gestão da Creche Oeste e da entrega da gestão do Hospital de Reabilitação e Anomalias Craniofaciais (HRAC), o Centrinho de Bauru, “um grande centro de excelência”, a uma fundação de caráter privado. “Olha o absurdo”, definiu.

Carlotti explicou que, sem fazer contratações há quase dez anos, a USP viu diminuir muito o número de professore(a)s e servidore(a)s e que os critérios para as novas contratações precisam “caber no orçamento”. De acordo com as projeções da Reitoria, o comprometimento com a folha deve ficar em 84,7% em 2023 e cair para 80,5% em 2026.

“A FFLCH ganhou em torno de 60 docentes, a grande maioria para Letras Modernas”, afirmou. De acordo com o reitor, ao final de dois anos a FFLCH terá o mesmo número de docentes que tinha em 2014.

Carlotti também defendeu a distribuição de claros docentes por meio de editais de seleção por mérito para que haja “algum mecanismo para que as unidades possam crescer, porque se for só por reposição as grandes sempre ficarão grandes e as unidades menores não terão chance de crescer”.

Em relação ao HU, afirmou que, das 400 contratações de servidore(a)s para toda a USP, 120 foram destinadas ao hospital. Garantiu também que, em sua gestão, o hospital vai ficar na USP e não será entregue a uma “Organização Social de Saúde” (OSS), como o HRAC. “Vamos investir no HU e contratar dentro do possível, provavelmente não ampliando, mas mantendo bem o que está lá e melhorando a infraestrutura.”

A “integração” do HRAC ao “complexo” do Hospital das Clínicas de Bauru (HCB), cuja administração foi entregue à Faepa foi celebrada por Carlotti em sua apresentação.

“No ano passado fechamos um convênio com a Secretaria Estadual da Saúde para fazer a ativação do hospital e servir de cenário de ensino para o curso de Medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB)”, disse. Carlotti pretende levar ao Co ainda neste ano o projeto de criação da Faculdade de Medicina de Bauru (FMB).

Modelo de autarquia é melhor do que OSS, diz o reitor

A Giannazi, o reitor afirmou que está “operacionalizando” uma decisão que é de 2014, referendada em 2017. “Os servidores do Centrinho continuam na USP, continuam recebendo salário da USP e são locados no Centrinho, que tem a gestão, principalmente de custeio, contratada pela OSS, que no caso é a Faepa. O Centrinho vai ficar dentro dessa estrutura”, justificou. “O que eu preciso é continuar a fazer o que foi combinado, senão eu não conseguiria montar a FMB.”

O reitor disse ainda que não foi a USP que escolheu o modelo OSS: “foi o Estado, que é o responsável pelo financiamento do HCB”. Respondendo a um questionamento da deputada Marina Helou, defendeu o modelo de autarquia do hospital, objeto do projeto de lei (PL) 571/2020 que tramita na Alesp.

“Prefiro o modelo [de autarquia], porque dá mais estabilidade e dá uma perenidade. Uma OSS a cada cinco anos precisa trocar. Como vamos fazer dentro do hospital-escola, com uma faculdade de medicina, com uma OSS administrando mal o hospital? É complicado”, respondeu. “Se vocês forem votar e pedirem minha opinião, eu prefiro muito mais o modelo autarquia. Agora, precisa combinar com a Secretaria da Saúde como eles vão financiar, porque nós precisamos do hospital para ter o curso médico. Não posso abrir mão do hospital.”

Em relação à Creche Oeste, defendeu a reabertura via convênio com a Prefeitura de São Paulo “para os nossos alunos e para os moradores da Comunidade São Remo”. Giannazi rebateu afirmando que “esse modelo de terceirização da prefeitura é péssimo, é um horror, tem até máfia das creches, a qualidade é baixíssima”.

Carlotti reconheceu ainda que a universidade tem “muitos problemas com terceirizados, com a qualidade da terceirização, e se aquilo que você contratou realmente foi executado”. “A terceirização precisa passar por uma boa discussão, se continua, se não continua.”

Relatório da McKinsey é citado como fonte de dados por deputado neoliberal

No front neoliberal, o deputado Leonardo Siqueira (Novo) afirmou que “nossa universidade depende muito do governo, comparado com as melhores práticas internacionais”. Para “reduzir a proporção da folha”, disse, “o caminho não é pedir mais dinheiro para o governo”. O deputado perguntou como a USP pretende trazer mais recursos de outras fontes para beneficiar o que chamou de “produto final”, ou seja, o(a) aluno(a).

Sobrou até para a consultoria internacional McKinsey, uma das protagonistas do nebuloso projeto “USP do Futuro” gestado na administração M. A. Zago-V. Agopyan. O deputado do Novo apresentou dados sobre percentual de financiamento público de universidades do exterior e disse que a fonte das informações era “a McKinsey”, em relatório enviado à USP e “contratado por R$ 5 milhões há um tempo atrás”.

Carlotti apressou-se a responder que “a contratação não foi da USP, não foi paga pela USP”. “Alguns ex-alunos pagaram e a McKinsey colocou um pro bono também. Foi muito polêmico, por isso que estou falando, para não dar a impressão que eu concordei”, disse.

O reitor disse que a USP está buscando duas fontes de financiamentos privados para a permanência estudantil: os endowments – doações feitas por ex-aluno(a)s – e o USP Diversa, que recebe recursos de pessoas jurídicas e também está aberto a pessoas físicas.

“O nosso endowment está crescendo com muito menor velocidade do que eu esperaria, o USP Diversa está indo bem”, avaliou. Carlotti também ressalvou que a “organização social” dos países desenvolvidos é muito diferente daquela do Brasil e que por isso é preciso haver cuidado nas comparações. “Não dá para trazer diretamente um modelo e colocar dentro da realidade brasileira. Se for alguma coisa para acrescentar, vale a pena, mas a gente dizer: ‘Estado, não me financie porque vou buscar financiamento na iniciativa privada ou fazer pagamento de mensalidade’, acho que seria um desastre para a universidade.”

A pauta da extrema-direita foi representada na audiência pelo deputado Lucas Bove (PL), vice-presidente da Comissão de Educação, que fez uma espécie de “bingo” dos temas caros ao bolsonarismo.

Bove lembrou que, em fevereiro deste ano, o governador Tarcísio de Freitas sancionou lei que proíbe requisição de comprovante de vacinação contra a Covid-19 para acesso a locais públicos e privados no Estado. O projeto havia sido proposto por um grupo de parlamentares de extrema-direita na Alesp e foi sancionado por Tarcísio com veto a seis dos nove artigos originais. Bove perguntou sobre a posição atual da USP em relação à cobrança do “passaporte vacinal” para estudantes, docentes e funcionário(a)s.

O deputado também quis saber quais políticas a universidade adota para “coibir o consumo de drogas”, e se “por parte do corpo docente a USP é uma universidade livre de ideologia como deveria ser um ambiente de ensino [sic]”.

Carlotti respondeu que, uma vez promulgada a lei, a USP deixou de exigir a apresentação de comprovantes do esquema vacinal. Afirmou que aprovava a exigência da vacinação, mesmo não sendo reitor à época, pois “a vacinação é o modo de se proteger individualmente e de proteger a comunidade”. “Se não tivéssemos feito isso, o número de mortes seria muito maior do que o que tivemos.”

Em relação às drogas, Carlotti disse que o(a)s aluno(a)s com problemas de dependência são tratado(a)s como pessoas que precisam de ajuda, enquanto o tráfico “é um problema do Judiciário, da polícia”, e “não tem a nossa complacência”.

Sobre a universidade ser um “ambiente livre de ideologia”, como ideologicamente sugeriu o deputado, o reitor respondeu que “o corpo docente da USP é muito heterogêneo” e possui, “como na sociedade em geral, pessoas com pensamento político de extrema-direita, de centro, de extrema-esquerda, de tudo o que você quiser; então não dá para tratar o corpo docente como uma coisa única”.

Giannazi comentou que na “intervenção obscurantista” do colega só faltou perguntar se “o reitor acredita que a Terra é plana e se a cloroquina cura a Covid-19”. Bove, por sua vez, disse que tinha “a liberdade de fazer as perguntas que julgo necessárias e que os meus 130 mil eleitores julgam necessárias”.

EXPRESSO ADUSP


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