Adusp participa de audiência pública na Câmara dos Deputados e apoia projeto que descongela a contagem de tempo da pandemia para concessão de benefícios
Audiência pública debateu projeto da deputada Luciene Cavalcante (foto: Myke Sena - Câmara dos Deputados)

Vários projetos em tramitação na Câmara dos Deputados pleiteiam anular os efeitos da Lei Complementar (LC) 173/2020, de modo a permitir a contagem do tempo de serviço do período de 28/5/2020 a 31/12/2021, por ela vedada, para a concessão de benefícios como quinquênio, sexta-parte e licença-prêmio a servidores(a)s público(a)s. A LC 173 estabeleceu o “Programa Federativo de Enfrentamento à Covid-19” e, entre outras medidas, congelou a contagem desse tempo e proibiu a concessão de reajustes ao funcionalismo e a realização de concursos para o preenchimento de novos cargos.

Uma dessas iniciativas é o Projeto de Lei Complementar (PLP) 21/2023, de autoria da deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL-SP). O projeto determina que “fica concedida, retroativamente, a todos os servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a contagem do tempo, entre 27 de maio de 2020 e 31 de dezembro de 2021, de período aquisitivo necessário exclusivamente para concessão de anuênios, triênios, quinquênios, sexta-parte, licença-prêmio e demais mecanismos equivalentes”.

O texto autoriza ainda os entes federados “a realizar os pagamentos retroativos de anuênios, triênios, quinquênios, sexta-parte, licença-prêmio e demais mecanismos equivalentes, cujos períodos tenham sido completados durante o tempo previsto no parágrafo anterior”.

“A LC 173 tem as marcas das políticas de destruição do serviço público. Não se pode imaginar a destruição do serviço público sem primeiramente atacar aqueles e aquelas que garantem a efetivação dos serviços públicos, que são os servidores. Ataca-se quem garante na ponta a implementação dos direitos ao conjunto da população”, disse Luciene numa audiência pública da Comissão de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados convocada por ela e realizada na última segunda-feira (15/5).

Na avaliação da deputada, a lei é perversa porque retirou do cômputo dos benefícios da carreira o tempo trabalhado durante a pandemia, “no qual foram justamente os servidores nas diferentes áreas que fizeram o enfrentamento e estiveram lado a lado com a população”.

“Os servidores e servidoras terão que trabalhar quase dois anos a mais para fazer jus a esses direitos historicamente conquistados, o que na prática significa uma nova reforma da previdência”, afirmou.

A deputada considera que a LC 173/2020 “integra um conjunto de medidas de destruição da carreira dos servidores públicos”. “Agora não se fala em salário, mas se fala em subsídio, o que na prática significa o fim da carreira e também a garantia da paridade com os aposentados”, apontou.

Luciene relatou que já defendeu a necessidade de aprovar seu projeto em encontros com alguns ministérios e que continuará a conversar com ministro(a)s do governo federal. Também vai procurar agendar reunião com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para tratar da pauta.

Um abaixo-assinado em apoio ao projeto da deputada está disponível na Internet.

Tribunais de Contas estaduais aprovam contagem do tempo

Além dos projetos tramitando no Congresso, outras iniciativas têm sido tomadas em diferentes instâncias para derrubar os efeitos da LC 173. Em vários Estados, prefeituras e câmaras municipais já fizeram questionamentos aos Tribunais de Contas sobre como considerar o período da pandemia na contagem do tempo do(a)s servidore(a)s após o encerramento da vigência da lei.

Um dos participantes da audiência, Eduardo Maia, da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), citou parecer aprovado pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG), que em sessão do dia 14/12/2022 respondeu a consulta da Câmara de Vereadores de Poço Fundo sobre a concessão de progressões não pagas a servidore(a)s municipais enquanto a lei estava em vigor.

No entendimento do TCE-MG, em parecer aprovado por cinco votos a dois, “a LC 173/2020, em seu artigo 8º, não dispôs sobre medida restritiva relacionada à progressão e/ou promoção na carreira”.

“Ultrapassada a data de 31/12/2021, o período compreendido entre 28/5/2020 e 31/12/2021 pode ser computado para fins do reconhecimento de todos os direitos dos servidores públicos, dentre eles a concessão de ‘anuênios, triênios, quinquênios’, ‘licenças-prêmio’ e ‘demais mecanismos equivalentes’”, prossegue a manifestação do tribunal.

O parecer diz ainda: “Considerando que o fundo de direito foi preservado pela Lei Complementar 173/2020, uma vez que o STF declarou que seu artigo 8º instituiu apenas restrições de ordem orçamentária no que diz respeito ao aumento de gastos públicos com pessoal, tratando-se, portanto, de norma de eficácia temporária, devem ser concedidos aos servidores todos os seus direitos funcionais, desde que tais direitos estejam expressamente previstos em legislação previamente existente à entrada em vigor da referida lei complementar”.

O TCE de Santa Catarina também reformou no final de 2022 a decisão do prejulgado 2.285, estabelecendo a seguinte redação: “É permitida a contagem de tempo para efeitos de progressão por tempo de serviço e outros benefícios abarcados pelo inciso IX do artigo 8º da Lei Complementar 173/2020, no período compreendido entre 28 de maio de 2020 e 31 de dezembro de 2021, sendo vedado apenas o pagamento e fruição neste período, bem como o pagamento retroativo de período anterior a 1° de janeiro de 2022”.

Alberto Ledur, da Federação Nacional dos Trabalhadores dos Ministérios Públicos Estaduais (Fenamp), registrou que o PLP 21/2023 “unifica o processo de luta em nível nacional”. “Temos visto um conjunto de iniciativas esparsas de sindicatos no enfrentamento para buscar a correção dessa injustiça, com alguns ganhos aos servidores que sofreram tanto com a pandemia e que tiveram sonegado um conjunto de direitos”, afirmou.

Docentes utilizaram recursos próprios para manter seu trabalho, aponta presidenta da Adusp

Chico Poli, presidente do Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São Paulo (Udemo), considera que a lei “trouxe uma novidade no campo das maldades” por focar uma situação pontual e temporária, mas deixar consequências que continuam afetando o conjunto de servidores mesmo após o fim de sua vigência.

“A LC 173 na verdade foi um pacto para evitar a criação ou o aumento de despesas obrigatórias durante o período da pandemia”, mas os benefícios aos quais o(a)s servidore(a)s tinham direito “já existiam e estavam dentro da previsão orçamentária daquele período”, lembrou.

Se a justificativa utilizada era promover economia, “por que não cortar a renúncia fiscal, mantendo-a apenas para o que é necessário?”, perguntou Poli. Em nível federal, as renúncias fiscais são da ordem de R$ 600 bilhões, sendo cerca de R$ 200 bilhões necessários para projetos sociais.

“Os outros R$ 400 bilhões são para ajudar os que não precisam de ajuda, e não estimulam o crescimento da receita e da sua distribuição, tornando o país ainda mais desigual. Em São Paulo acontece o mesmo, dentro da proporcionalidade. Por que não executar a dívida ativa trilionária da União e bilionária do Estado de São Paulo?”, prosseguiu.
A presidenta da Adusp, Michele Schultz, que representou também o Fórum das Seis e o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), participou da audiência de forma remota e lembrou que a LC 173 excluiu 583 dias trabalhados do tempo de serviço para fins de concessão de reajuste e benefícios.

“Isso é um verdadeiro ataque, especialmente para nós, que continuamos trabalhando. Essa lei representa uma lógica de retirada de direitos que está alinhada às políticas neoliberais. Mas no último período tivemos que enfrentar a lógica ultraneoliberal, que de fato vê nos serviços públicos algo que atrapalha o seu projeto, voltado essencialmente para o mercado”, afirmou.

Michele apontou que nenhum dos principais argumentos utilizados para a promulgação da lei se sustenta: o primeiro é o discurso de que o funcionalismo público é privilegiado, e o segundo é de que um contingenciamento de verbas era necessário por conta de uma possível crise econômica que poderia ser instaurada na pandemia.

Em relação às universidades, destacou que o trabalho não foi interrompido e que docentes e pesquisadore(a)s tiveram que utilizar recursos próprios para manter suas atividades. “Efetivamente contribuímos no combate à pandemia da Covid-19, não só no atendimento direto nos hospitais universitários e com as equipes de saúde, mas também no desenvolvimento de equipamentos e recursos”, ressaltou.

A presidenta da Adusp enfatizou ainda que a pandemia aprofundou as desigualdades existentes no país e também nas universidades, e foram o(a)s docentes que se responsabilizaram pelo acolhimento de muito(a)s estudantes que de outra forma se veriam obrigados a abandonar seus cursos.

Michele Schultz também chamou a atenção para o fato de que, após o período da emergência sanitária da Covid-19, tem havido “um certo oportunismo de adotar modalidades que podem ser chamadas de híbridas que atacam a carreira docente em vários níveis, desde a educação infantil até o ensino superior, por exemplo numa perspectiva de substituir, se é que isso é possível, professores por videoaulas”.

Escolas não fecharam e fizeram até distribuição de cestas básicas

A importância do trabalho de professoras e professores durante a pandemia foi destacada por outro(a)s participantes da audiência.

“A escola não fechou, a escola teve que ser parceira da assistência social porque se não as cestas básicas não chegavam às famílias, que estavam morrendo de fome”, disse Norma Lúcia Andrade dos Santos, presidenta do Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo (Sinesp). “Antes da prefeitura e do Estado chegarem com as cestas básicas, nós já estávamos fazendo vaquinha e arrecadações, porque conhecemos a nossa realidade e sabíamos que as nossas crianças estavam com fome.”

“Levamos realmente condições de vida para essas meninas e meninos que estavam na escola com seus familiares. Muitos dos nossos foram contaminados com a Covid-19, alguns vieram a óbito e nós não fechamos as escolas. Estivemos onde ninguém estava e continuamos lá. Agora, quando é para sacrificar, para fazer um corte, aí se corta no lado dos servidores públicos”, denunciou.

Representantes do Sinesp estão em Brasília e têm percorrido os gabinetes do(a)s 513 deputado(a)s para conversar sobre a necessidade de derrubar o congelamento.

Heleno Araújo Filho, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), mencionou a “revolta e a inconformidade muito grandes na nossa categoria” pelos ataques profundos do governo Bolsonaro a professores e professoras.

Araújo apresentou documentos que mostram o trabalho realizado durante a pandemia e discutem a condição em que o(a)s trabalhadore(a)s atuaram, como a edição da revista Retratos da Escola dedicada ao tema, o relatório técnico Trabalho docente em tempos de pandemia e o livro Trabajo docente en tiempos de pandemia en América Latina.

O presidente da CNTE lamentou também a edição da Emenda Constitucional (EC) 119/2022, que isentou governadore(a)s e prefeito(a)s de qualquer responsabilização administrativa, civil ou criminal pelo descumprimento da obrigação constitucional de destinar 25% das receitas à educação nos anos de 2020 e 2021.

O deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL-SP) qualificou a LC 173 como “uma das granadas que o Paulo Guedes disse que iria colocar no bolso dos funcionários públicos”. “É uma proposta nefasta do governo genocida nazifascista que tivemos no Brasil e isso tem que ser superado”, afirmou.

Também participaram da audiência, em manifestações feitas de forma remota, os deputados Reimont Santa Barbara (PT-RJ) e Guilherme Boulos (PSOL-SP). “O Congresso Nacional e particularmente a Câmara têm sido um cenário difícil para levar a cabo o programa que venceu as eleições do ano passado”, reconheceu Boulos, que se comprometeu a trabalhar pela aprovação do projeto de Luciene.

Lira ameaça pautar PEC 32/2020, que desestrutura o serviço público

Participantes da audiência citaram ainda outras ameaças de ataques a direitos do funcionalismo. Ismael José César, da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), alertou que o projeto do novo arcabouço fiscal em tramitação no Congresso pode incluir dispositivos que, em determinadas situações, restringem a concessão de progressão nas carreiras, a criação de novos cargos e a realização de concursos públicos, entre outros itens. César também saudou a reabertura da Mesa Nacional de Negociação Permanente do governo federal com os servidores federais.

José Gozze, da Pública – Central do Servidor, lembrou que as centrais sindicais defenderam a reinstalação da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público no Congresso Nacional, que deve ocorrer em junho.

A primeira tarefa da frente, disse Gozze, será impedir a possibilidade de aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020 – a PEC 32 é a famigerada proposta de reforma administrativa, que na verdade promove um desmonte do serviço público e dos direitos do funcionalismo.

No último dia 9/5, em evento promovido em Nova York pelo Lide – Grupo de Líderes Empresariais, organização empresarial pertencente ao ex-governador João Doria (PSDB), Arthur Lira disse que a PEC 32/2020 está pronta para ser colocada em votação.

EXPRESSO ADUSP


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