O Coletivo de Docentes Negras e Negros da USP considera “ineficiente e mesmo inócua” a resolução de política afirmativa para concursos docentes e de servidore(a)s técnico-administrativo(a)s aprovada pelo Conselho Universitário (Co) na última segunda-feira (22/5).

“A opção pela bonificação nos concursos docentes não será capaz de, em tempo razoável, garantir o ingresso de número significativo de PPIs [pessoas pretas, pardas e indígenas], conforme detalhado em nota por nós publicada em 22/5/2023, em que analisamos as falhas da proposta. Ademais, foi pouco discutida com a comunidade universitária, e já por isso excludente, além de reforçar a tradição pretensamente meritocrática da Universidade, escancarando o mecanismo racista que, historicamente, posiciona pessoas negras e indígenas como intelectualmente ‘insuficientes’”, afirma o coletivo em nota divulgada nesta quarta-feira (24/5).

O grupo lembra que, em novembro do ano passado, entregou proposta ao reitor na qual previa que as unidades estabelecessem metas em seus planos de gestão para a contratação de docentes PPI nos concursos, “conforme o contexto de cada uma delas, até que tenham atingido pelo menos 37% de pessoas pretas, pardas e indígenas em seus quadros docentes”.

A proposta também apresentava sugestões para os procedimentos burocráticos e a operação prática na realização dos concursos. “Tudo isso amparado por parecer jurídico que sustenta a viabilidade da aplicação de cotas étnico-raciais nos concursos docentes da USP, com base no princípio constitucional da autonomia universitária (CF 1988, art. 207), no status de pessoa jurídica de direito público com regime especial de que goza a Universidade e em outros dispositivos do arcabouço jurídico nacional e internacional dos Direitos Humanos e de combate às discriminações raciais”, parecer este elaborado pela professora sênior da Faculdade de Direito da USP Eunice Aparecida de Jesus Prudente, atualmente secretária municipal de Justiça de São Paulo.

A nota registra ainda a indignação com a declaração do reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr em matéria publicada pela Folha de S. Paulo: “Não podemos ter uma política muito agressiva, que coloque em risco a qualidade de uma universidade com o prestígio da USP”.

A declaração do reitor, afirma a nota, “parece supor que a entrada de docentes negros e negras colocaria ‘em risco’ a qualidade da ciência praticada na Universidade de São Paulo”. “Tal enunciado ofende profundamente as e os docentes negras e negros que já compõem o quadro da Universidade e, certamente, as e os potenciais candidatas(os) a concursos”, prossegue.

“Assim, além de lamentar a aprovação da medida inócua, pelas razões apresentadas com pouca efetividade no combate ao racismo estrutural que opera na USP desde sua fundação, agora também lamentamos a declaração do Reitor”, conclui o texto.

Leia abaixo a íntegra da nota e aqui a versão em PDF.

Nota Pública: Resolução aprovada pelo Conselho Universitário para ações afirmativas em concursos docentes da USP é inócua

Não se combaterá o racismo na Universidade de São Paulo com mais práticas racistas

Na segunda-feira, 22/5/2023, o Conselho Universitário (Co) da Universidade de São Paulo (USP) aprovou resolução que estabelece pontuação diferenciada para pessoas pretas, pardas e indígenas (PPIs) em concursos públicos de seleção de servidora(e)s técnica(o)s, administrativa(o)s e docentes. No caso dos concursos para ingresso de docentes, apenas em editais com mais de três vagas, seria aplicada reserva de 20% para PPIs.

Para o Coletivo de Docentes Negras e Negros da USP, que assina esta Nota, trata-se de medida ineficiente e mesmo inócua, pois a opção pela bonificação nos concursos docentes não será capaz de, em tempo razoável, garantir o ingresso de número significativo de PPIs, conforme detalhado em nota por nós publicada em 22/5/2023, em que analisamos as falhas da proposta. Ademais, foi pouco discutida com a comunidade universitária, e já por isso excludente, além de reforçar a tradição pretensamente meritocrática da Universidade, escancarando o mecanismo racista que, historicamente, posiciona pessoas negras e indígenas como intelectualmente “insuficientes”. Ao contrário da bonificação, a reserva de vagas parte do reconhecimento de que há profissionais negros nas várias áreas científicas capacitados para a docência superior, mas que devido ao racismo estrutural presente na universidade, não vêm sendo aprovados em concursos públicos.

Nossa proposta, entregue por integrantes do Coletivo ao Reitor, em reunião que ocorreu em 9 de novembro de 2022, também enviada à Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), prevê que as Unidades estabeleçam metas em seus Planos de Gestão para contratação de docentes PPI em seus próximos concursos, conforme o contexto de cada uma delas, até que tenham atingido pelo menos 37% de pessoas pretas, pardas e indígenas em seus quadros docente. Este percentual corresponde à parcela da população negra e indígena no Estado de São Paulo, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Além da reivindicação, nossa proposta prevê os devidos procedimentos burocráticos de sua operação prática na realização dos concursos. Tudo isso amparado por parecer jurídico que sustenta a viabilidade da aplicação de cotas étnico-raciais nos concursos docentes da USP, com base no princípio constitucional da autonomia universitária (CF 1988, art. 207), no status de pessoa jurídica de direito público com regime especial de que goza a Universidade e em outros dispositivos do arcabouço jurídico nacional e internacional dos Direitos Humanos e de combate às discriminações raciais. O parecer foi elaborado por Eunice Aparecida de Jesus Prudente, Professora Doutora Sênior do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, atualmente Secretária Municipal de Justiça de São Paulo.

Na própria segunda-feira, 22/5/2023, fomos surpreendidas(os) com declaração do Reitor da USP, professor Carlos Gilberto Carlotti Júnior, em matéria publicada pelo portal Folha de São Paulo / UOL, em que admite que a reserva de vagas deve valer apenas para os concursos de servidores (que costumam abrir mais de três vagas), ficando a bonificação para os concursos docentes (que normalmente preveem apenas uma vaga). Segundo a declaração publicada na matéria, o Reitor afirmou: “Não podemos ter uma política muito agressiva, que coloque em risco a qualidade de uma universidade com o prestígio da USP.”

A declaração do Reitor, também expressa na reunião do Conselho Universitário de 22/05/2023, parece supor que a entrada de docentes negros e negras colocaria “em risco” a qualidade da ciência praticada na Universidade de São Paulo. Tal enunciado ofende profundamente as e os docentes negras e negros que já compõem o quadro da Universidade e, certamente, as e os potenciais candidatas(os) a concursos. Por acaso pessoas negras, todas doutoras e com comprovada produção científica em suas respectivas áreas de formação e atuação, teriam pior desempenho acadêmico ou seriam menos inteligentes e qualificadas do que seus pares brancos ou não negros? Seria esse o caso dos apenas 2,3% de docentes negras(os) atualmente nos quadros da USP?

Assim, além de lamentar a aprovação da medida inócua, pelas razões apresentadas com pouca efetividade no combate ao racismo estrutural que opera na USP desde sua fundação, agora também lamentamos a declaração do Reitor.

São Paulo, 24 de maio de 2023.

Coletivo de Docentes Negras e Negros da Universidade de São Paulo
E-mail: docnnusp@gmail.com

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