Opinião
Crise no hospital da “85ª melhor universidade do planeta”
Neste artigo o médico João Paulo Becker Lotufo, doutor em Pediatria pela Faculdade de Medicina da USP e diretor clínico do Hospital Universitário (HU), critica a decisão de fechar o Pronto-Socorro desse hospital e privar a população desse atendimento. Ele considera inadmissível a atitude da gestão Carlotti Jr.-Arruda de “deixar à própria sorte” o HU, em vez de reativar os leitos existentes
Após quarenta anos trabalhando no Hospital Universitário (HU), vejo sem espanto o hospital ser vítima novamente de decisões equivocadas da Reitoria da USP, com 50% dos seus leitos fechados e apenas duas salas cirúrgicas funcionantes diante de oito fechadas por falta de funcionários. Não é de hoje a decisão da Reitoria, ao longo de sucessivas gestões, de deixar o hospital à sua própria sorte, uma decisão infelizmente aceita pelas chefias da casa.
A diretoria clínica não foi convidada a participar do “Comitê de Gerenciamento de Crise”, porque seguramente não concordaríamos com essa posição de fechar o Pronto-Socorro tendo 50% dos leitos do hospital inativados. Se o empenho desse comitê fosse o de ativar os leitos, pedir socorro às secretarias Municipal ou Estadual de Saúde, faríamos parte desse projeto. Mas assistir à falência do HU e aceitar essa situação não faz sentido.
Há dois meses, fiz contato com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e com a Secretaria Estadual da Saúde, por meio do chefe de gabinete, que se prontificou a se reunir com a Superintendência do HU. Tentando marcar esse encontro, recebi um “não” categórico da Superintendência.
Diz-se que o HU é dispendioso, mas isso não é culpa do corpo clínico, e muito menos da população. Abandonar a população desatendida é crime! Retardar cirurgias comprometendo a saúde de quem precisa é irresponsabilidade!
Sabemos que os pacientes continuarão chegando, e fechar as portas com 50% do hospital desativado é incompetência da Universidade e do Estado. E há falta de vontade para a resolução desse problema.
A Faculdade de Medicina (FMUSP) se omite, e seus alunos aprendem menos com os leitos desativados, pois veem menos casos clínicos, operam menos etc. A Pediatria e a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) têm 50% dos leitos fechados, mesmo num momento de alta de problemas respiratórios na infância.
Quando certa vez me convidaram a sugerir propostas para o programa de um candidato à Prefeitura de São Paulo, disse: “Não construa nada na área de saúde. Coloque o que existe para funcionar”.
Essa é a situação do Hospital Universitário da USP e de muitos outros hospitais, que estão abandonados ou funcionando parcialmente. O Estado precisa de leitos e nós temos 50% dos leitos fechados. O problema pode não ser só da Universidade, mas o sucateamento do hospital e seu abandono pela Reitoria não são uma solução.
No comunicado do Comitê de Crise, escreve-se que as clínicas cirúrgicas e a clínica médica têm os maiores problemas. São exatamente as áreas dos responsáveis pelo hospital. Estamos com problemas em todos os Prontos-Socorros, mas nenhum com 50% dos leitos fechados por falta de funcionários.
São anos de abandono para com o HU, e durante os quais a Reitoria vem tirando seu corpo de campo, enquanto o ensino feito no hospital piora e o atendimento à população se torna inviável, sem que nem ela ou a Secretaria da Saúde façam algo relevante para resolver essa triste realidade.
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