Conjuntura Política
Sonegação dos dez maiores devedores do Estado equivale a 14 anos do que o governo arrecada com o confisco de aposentadorias e pensões
O montante de recursos que o governo estadual arrecada com o confisco de parte das aposentadorias e pensões da(o)s servidora(e)s chega a cerca de R$ 2 bilhões por ano, o que representa menos de 1% do orçamento do estado de São Paulo em 2022, de R$ 286,7 bilhões.
A proporção será menor em 2023, quando o orçamento deve ultrapassar os R$ 300 bilhões.
Mais grave ainda: considerando somente os dez maiores devedores inscritos na Dívida Ativa – cujos débitos se aproximam de R$ 28 bilhões, de acordo com números oficiais da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) –, seria possível arrecadar o equivalente a quase 14 anos do valor confiscado pelo governo em aposentadorias e pensões.
Os 500 maiores devedores deixaram de pagar um total de R$ 170 bilhões aos cofres públicos, mostram os dados da PGE.
Entre as dez empresas que mais devem ao estado estão a Refinaria de Petróleo de Manguinhos (R$ 5,017 bilhões), a Drogavida Comercial de Drogas (R$ 3,670 bilhões), a Companhia Brasileira de Distribuição, da qual fazem parte marcas como Pão de Açúcar e Extra (R$ 3,590 bilhões), e as empresas de telefonia TIM (R$ 3,347 bilhões) e Telefônica Brasil, dona da Vivo (R$ 2,973 bilhões).
Apesar dessa realidade, os governos do PSDB têm mantido suas políticas de desoneração fiscal, com renúncias de receitas que devem alcançar cerca de R$ 60 bilhões no ano que vem. Mesmo empresas listadas na Dívida Ativa do estado podem se beneficiar dessas isenções.
“Na prática, isso significa transferir dinheiro do ICMS para grandes grupos econômicos”, disse o deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) na audiência pública solicitada pela Frente Paulista em Defesa do Serviço Público, realizada no dia 10/8 no auditório Paulo Kobayashi da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). “A questão não é orçamentária. Para esses grupos, tudo; para os aposentados, confisco. É uma questão política. O dinheiro que faz falta para a educação pública e para o SUS vai ser canalizado para grandes devedores da dívida pública”, ressaltou.
A respeito do tema, o Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual (Sinafresp) lançou no ano passado o e-book intitulado A política de renúncia de receita tributária do Estado de São Paulo, de autoria de Juliano Goularti, que pode ser baixado gratuitamente.
A audiência pública reuniu representantes de entidades de servidora(e)s pública(o)s do estado para aumentar a pressão para que o presidente da Alesp, Carlão Pignatari (PSDB), coloque em votação o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 22/2020, de autoria de Giannazi. O projeto revoga o confisco imposto pelo Decreto 65.021/2020, editado pelo então governador João Doria (PSDB) em junho de 2020, ainda nos primeiros meses da pandemia da Covid-19.
O decreto de Doria determina a aplicação de descontos nas aposentadorias e pensões de quem recebe mais de um salário mínimo (R$ 1.212,00) de benefício. Desde 2003, as alíquotas eram cobradas de quem recebe valores acima do teto do INSS, hoje em R$ 7.087,22. “O confisco foi um dos maiores ataques aos direitos e à dignidade de aposentados e pensionistas”, disse Giannazi na audiência.
O PDL 22 está pronto para ser votado em plenário, após a bancada governista ter esgotado as possibilidades de obstrução.
O texto foi aprovado pelo Congresso de Comissões da Alesp no final de 2020. Como último recurso para impedir a votação, Pignatari, então líder da bancada do governo, conseguiu 19 assinaturas para apresentar uma emenda de plenário e fazer com que o projeto tivesse que voltar às comissões.
De lá para cá, o PDL cumpriu novamente o roteiro de tramitação e está pronto para ser votado em plenário. “Não há mais possibilidade de obstrução regimental”, disse Giannazi, que afirmou que 53 da(o)s 94 deputada(o)s já assinaram um requerimento para que o presidente da Alesp paute a votação do projeto.
“Por que assinaram? Porque vocês estão pressionando em cada região”, disse o autor do PDL. Além das cartas abertas, abaixo-assinados e tuitaços organizados pelas entidades pela revogação do confisco, quase 400 câmaras de vereadores de todo o estado já enviaram moções pedindo a aprovação do projeto.
“Temos que pressionar diretamente o Executivo, o governador [Rodrigo Garcia, do PSDB]. Ele pode revogar o decreto sem precisar da aprovação do PDL”, lembrou Giannazi.
Representantes de várias entidades que integram a Frente Paulista se manifestaram na audiência. O professor João da Costa Chaves Júnior, presidente da Associação de Docentes da Unesp (Adunesp), falou em nome do Fórum das Seis.
“O sequestro dos vencimentos dos trabalhadores dos serviços públicos é apenas mais um item do cardápio desse grupo político que governa o estado de São Paulo e que, junto com o presidente da República, tem o seu lugar garantido na lata de lixo da história”, afirmou.
“Atacar o serviço público tem sido uma atividade constante do grupo político que governa o estado porque servidores concursados garantem um mínimo de democracia e a distribuição de parte dos recursos públicos para que eles tenham uma função junto à comunidade que mais precisa do serviço público. Sem serviço público de qualidade não há democracia”, prosseguiu.
Chaves considera que, ao premiar empresas devedoras com novas isenções fiscais, o governo do estado “passa a mensagem de que elas devem continuar sonegando, e o serviço público que se dane, os aposentados que se danem”.
Gildete Amaral, presidenta do Sindicato dos Trabalhadores em Telemática Policial do Estado (Sintelpol), fez um relato dramático sobre a situação de aposentada(o)s que entram em grupos criados pelo sindicato no WhatsApp para pedir auxílio financeiro por falta de recursos para comprar remédios.
“Carlão, coloque o projeto em pauta, porque os aposentados estão sofrendo muito, as famílias estão passando necessidade”, conclamou.
Rosaura de Almeida, presidenta do Sindicato de Supervisores de Ensino do Magistério Oficial (Apase), apontou a contradição entre o discurso do governo de aplicar o confisco por conta de um suposto déficit na Previdência do estado ao mesmo tempo em que não recompõe os quadros efetivos.
“Na nossa base, metade dos trabalhadores é terceirizada ou tem contratos temporários e contribuem para o Regime Geral da Previdência [RGPS]. Ou seja, na educação, metade dos trabalhadores não está contribuindo para o Regime Próprio [RPPS]. Não se pode fazer o discurso da previdência deficitária quando há um boicote à sustentabilidade da previdência própria do funcionalismo”, afirmou.
Maricler Real, presidenta da Associação das/dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado (AASPTJ-SP), defendeu que é preciso fazer com que a(o)s candidata(o)s ao governo estadual se comprometam com o fim do confisco.
“O que queremos é uma aposentadoria digna e condições de viver com bem-estar social e com saúde. Por que não podemos querer dinheiro para poder viajar, para comer uma pizza? Não queremos só comprar remédios”, ressaltou. “Nós queremos aquilo que é nosso, que é o nosso dinheiro. Devolva o que é nosso, governador!”
A servidora aposentada relatou que a maioria dos casos atendidos pelo serviço de assistência social do Judiciário tem origem na falta de políticas públicas adequadas por parte dos governos, agravada com os recorrentes cortes de recursos.
Maricler lembrou também que em julho Rodrigo Garcia nomeou o secretário-chefe da Casa Civil do governo, Cauê Macris, que presidiu a Alesp na época da aprovação da reforma da previdência estadual, em março de 2020, para ocupar a vice-presidência do Conselho de Administração da São Paulo Previdência (SPPrev). “Nós conhecemos bem o pensamento dele sobre políticas públicas, serviço público e servidores”, lamentou.
No final da audiência, Giannazi convocou as entidades a manter a pressão sobre o governo e a Alesp para que o PDL 22 seja votado. “Vamos cobrar que [o projeto] seja pautado. Nosso PDL é um instrumento de luta e vamos continuar firmes nessa luta”, concluiu.
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