Defesa da Universidade
“Quantas vidas mais perderemos?”, questionam docentes negros e negras da USP após morte de jovem no Crusp
“As circunstâncias até aqui conhecidas que levaram ao desespero e ao suicídio anunciado do jovem estudante negro no Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp) nos causou profundo desalento, tristeza, comoção, compaixão, mas também indignação. Se não é por falta de documentação e de pesquisas que ressaltam o estresse sofrido sobretudo pelos mais pobres, como explicar a manutenção da exiguidade das condições enfrentadas pelas negras e negros periféricos que estudam da USP e precisam morar no Crusp?”
A referência à trágica morte de R.L.S., ocorrida em 25/5, e o questionamento da má qualidade das moradias estudantis mantidas pela Superintendência de Assistência Social (SAS), órgão da Reitoria, fazem parte do abaixo-assinado intitulado “Por respeito à diversidade na USP”, disponível no site Change.org desde 2/6 e lançado por um grupo de onze docentes negro(a)s da universidade.
O documento, que já recebeu mais de 5.700 assinaturas, entre as quais a da Adusp, assinala que, embora a “tardia adoção de políticas afirmativas de cunho socio-racial” tenha trazido aos campi da USP “um contingente de estudantes negros jamais visto nessa instituição”, e apesar dos “inegáveis ganhos” decorrentes dessas medidas, “o discurso de importância da diversidade étnico-racial e a correspondente presença da população negra nos seus campi ainda carece de práticas efetivas que inequivocamente acolham os valores enunciados e os plasmem em atitudes e políticas antirracistas efetivas”.
Assim, à pergunta inicial sobre o Crusp seguem-se outras: “Como os docentes da USP lidam com a diversidade nas suas salas de aula? Quantas vidas mais perderemos após o imenso sacrifício vencido para estar na Universidade? Por que a USP não acolhe as reiteradas sugestões do seu minúsculo corpo docente negro?” Tais sugestões, acrescenta o texto, “são fruto de nossas vivências, pesquisas e dedicação incessante a toda [a] sociedade brasileira”.
O discurso da diversidade, prossegue, ignora “o sangue e as lágrimas derramadas pelas vidas negras decorrentes da 1) inequívoca existência do racismo na USP; 2) ausência efetiva de políticas públicas para superar o racismo; 3) falta genuína de interesse por um verdadeiro acolhimento das pessoas negras pela/na Universidade que resultaria em medidas institucionais para a resolução dos problemas há muito conhecidos”.
Os autores, “professoras e professores negros da USP”, lamentam que “inúmeros avisos, pedidos, informações e clamores” não tenham sido levados em conta pela instituição. “E que as contínuas denúncias de racismo, assédio moral e falta de estímulo ao desenvolvimento das potencialidades dos estudantes negros e periféricos tenham esgarçado a desesperança do jovem negro, desencadeando a perda irremediável da sua vida tendo em vista inações e olhares impassíveis”.
As medidas propostas pelo grupo incluem a criação de um “serviço de assistência social e acompanhamento composto por especialistas conhecedores e engajados ao tema das discriminações e do racismo”, a adoção da diversidade “como critério de mérito na composição de bancas para contratação, avaliação de projetos de pesquisa, composição das equipes dos projetos, progressão na carreira e demais atividades na USP” e o “atendimento urgente das demandas dos estudantes quanto à permanência, alimentação e moradia”.
Propõem ainda que seja criado um “escritório USP-Diversidade Étnico-racial” e que seja constituída uma comissão permanente, “com recursos destinados a ela, que contenha professores de origem periférica, negros e negras para a proposição e gerenciamento de pautas relativas à diversidade, inclusão e ao antirracismo na USP”.
Íntegra do abaixo-assinado “Por respeito à diversidade na USP”
Sociedades e instituições democráticas cujos princípios se assentam sobre direitos humanos, valores republicanos e inclusão da diversidade buscam continuamente melhoria desses parâmetros, os quais são entendidos como parte incontornável do processo civilizatório. A tardia adoção de políticas afirmativas de cunho sócio racial trouxe aos campi da USP um contingente de estudantes negros jamais visto nessa instituição.
Apesar dos inegáveis ganhos atrelados a essas medidas hoje, na USP, infelizmente, o discurso de importância da diversidade étnico-racial e a correspondente presença da população negra nos seus campi ainda carece de práticas efetivas que inequivocamente acolham os valores enunciados e os plasmem em atitudes e políticas antirracistas efetivas.
As circunstâncias até aqui conhecidas que levaram ao desespero e ao suicídio anunciado do jovem estudante negro no Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo – Crusp nos causou profundo desalento, tristeza, comoção, compaixão, mas também indignação. Se não é por falta de documentação e de pesquisas que ressaltam o estresse sofrido sobretudo pelos mais pobres, como explicar a manutenção da exiguidade das condições enfrentadas pelas negras e negros periféricos que estudam da USP e precisam morar no Crusp? Como os docentes da USP lidam com a diversidade nas suas salas de aula? Quantas vidas mais perderemos após o imenso sacrifício vencido para estar na Universidade? Por que a USP não acolhe as reiteradas sugestões do seu minúsculo corpo docente negro? Essas são fruto de nossas vivências, pesquisas e dedicação incessante a toda sociedade brasileira. Até quando o discurso da diversidade em nossa comunidade acadêmica irá ignorar o sangue e as lágrimas derramadas pelas vidas negras decorrentes da:
1) inequívoca existência do racismo na USP;
2) ausência efetiva de políticas públicas para superar o racismo;
3) falta genuína de interesse por um verdadeiro acolhimento das pessoas negras pela/na Universidade que resultariam em medidas institucionais para a resolução dos problemas há muito conhecidos.
Muitas universidades ao redor do mundo já perceberam a necessidade de convergência entre discurso e prática, e os benefícios de políticas internas de valorização da diversidade e de acolhimento, de educação e enfrentamento a abusos, assédios e discriminações étnico-raciais. Como podemos entender o silêncio institucional em face da morte trágica do estudante negro? E que providências serão tomadas para que tragédias análogas não se repitam?
Nós, professoras e professores negros da USP, lamentamos profundamente que os inúmeros avisos, pedidos, informações e clamores não tenham sido suficientemente levados em conta pela instituição. E que as contínuas denúncias de racismo, assédio moral e falta de estímulo ao desenvolvimento das potencialidades dos estudantes negros e periféricos tenham esgarçado a desesperança do jovem negro, desencadeando a perda irremediável da sua vida tendo em vista inações e olhares impassíveis. Para que a USP se translade do discurso à prática efetiva, urgimos:
1) criação do escritório USP-Diversidade Étnico-racial constituindo uma comissão permanente, com recursos destinados a ela, que contenha professores de origem periférica, negros e negras para a proposição e gerenciamento de pautas relativas à diversidade, inclusão e ao antirracismo na USP;
2) serviço de assistência social e acompanhamento composto por especialistas conhecedores e engajados ao tema das discriminações e do racismo;
3) inclusão da diversidade como critério de mérito na composição de bancas para contratação, avaliação de projetos de pesquisa, composição das equipes dos projetos, progressão na carreira e demais atividades na USP;
4) atendimento urgente das demandas dos estudantes quanto à permanência, alimentação e moradia.
Conclamamos a administração da Universidade de São Paulo a não mais tolerar a continuidade do racismo estrutural que vem ceifando vidas, adoecendo pessoas, desestimulando os esforços dos seus quadros negros de servir na instituição e dificultando sobremaneira o pleno desenvolvimento das potencialidades dos estudantes negros. E que o respeito, seriedade e afinco dedicados pela instituição ao conhecimento também sejam empregados com o mesmo vigor nas políticas de valorização da diversidade e de ações antirracistas recentemente assumidas.
Assinam o documento as professoras e professores:
Adriana Alves – IGc
Alessandro Oliveira dos Santos – IP
Dennis de Oliveira – ECA
Eunice Almeida da Silva – EACH
Eunice Aparecida de Jesus Prudente – FD
Fernando Fagundes Ferreira – FFCLRP
Gislene Aparecida dos Santos – EACH
Ivan Cláudio Pereira Siqueira – ECA
Márcia Lima – FFLCH
Ricardo Alexino Ferreira – ECA
Rosenilton Silva de Oliveira – FE
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