Uma denúncia de discriminação racial e racismo estrutural encaminhada no início de setembro de 2023 pelo professor Jean Claude MPeko, docente do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, repousa nas gavetas da universidade sem que até agora nenhuma providência concreta tenha sido tomada para a sua apuração.

Na documentação que enviou à Reitoria e à Ouvidoria-Geral da USP no dia 4/9/2023, à qual o Informativo Adusp Online teve acesso, MPeko já deixa claro que seu intuito é de que a Reitoria abra “um processo para investigar” e para “tomar as providências e medidas punitivas cabíveis, tudo em respeito à saúde mental de um trabalhador/servidor preto da Instituição (…), discriminado na própria Instituição”.

No dia 12/9, a Ouvidoria-Geral respondeu ao professor dizendo que sua manifestação seria analisada e solicitando que MPeko aguardasse novo contato. Mais de um mês depois, em 26/10, a ouvidora-geral da USP, professora Marília Seelaender, realizou uma conversa com MPeko por meio de videochamada, ocasião em que o docente reiterou seu desejo de instauração de uma sindicância para apurar os fatos e encaminhar as medidas punitivas cabíveis. A postura foi novamente expressa em correspondência que o docente encaminhou por e-mail à ouvidora-geral no dia 30/10, depois da conversa online.

Em resposta enviada no dia 31/10, a ouvidora-geral disse que, como a opção era por apuração e possível abertura de sindicância, “em detrimento de conciliação/retratação da parte acusada”, a denúncia seria encaminhada para as instâncias que detêm os poderes de abertura de processos de investigação, o que não cabe à Ouvidoria.

Já no dia 1/11, a ouvidora-geral comunicou a MPeko por e-mail que, dada a manifestação reiterada pelo professor, sua denúncia havia sido “encaminhada ao Gabinete do Reitor para ciência e providências”. A ouvidora também solicitou que o docente aguardasse “a devolutiva que enviaremos, assim que a resposta nos for encaminhada”.

A essa altura, cabe recordar, já haviam se passado dois meses desde que MPeko enviara originalmente sua denúncia. Porém, decorridos outros três meses, o docente não recebeu nenhuma “devolutiva” por parte da Ouvidoria-Geral ou da Reitoria da USP.

Procurada pelo Informativo Adusp Online por meio da Assessoria de Imprensa, a Reitoria respondeu nesta segunda-feira (29/1) que “o assunto está sob análise da Procuradoria-Geral da Universidade”.

Por e-mail, o diretor do IFSC, Osvaldo Novais Oliveira Jr. (ex-presidente da Comissão Especial de Regimes de Trabalho-CERT), e a vice-diretora, Ana Paula Araújo, responderam à reportagem que, “sobre o caso em questão, a Diretoria do IFSC recebeu a recomendação da Ouvidoria da USP de não tomar providências na unidade, já que a Reitoria está cuidando deste tema”.

O professor Fernando Paiva, presidente da Comissão de Inclusão e Pertencimento (CIP) da unidade, respondeu ao Informativo Adusp Online que “a CIP/IFSC tomou ciência da denúncia e fomos informados que o processo está sendo conduzido pela Reitoria”. “Esta Comissão está atenta ao desenrolar do processo, aguardando os encaminhamentos”, finalizou Paiva.

Ao Informativo Adusp Online, MPeko declarou que, diante da omissão e da falta de respostas das autoridades da USP, cogita levar o caso à Justiça.

Discriminação levou a prejuízos à saúde mental, diz professor

Nascido no Congo, Jean Claude MPeko possui graduação e doutorado em Física pela Universidade de Havana (Cuba), com estágio na Martin-Luther-Universität Halle-Wittenberg (Alemanha). Realizou pós-docs na Universidade do Minho (Portugal), na USP e na Universidade do Colorado em Boulder (Estados Unidos). É professor do Departamento de Física e Ciência dos Materiais (FCM) do IFSC desde 2004 e integra o Grupo de Pesquisa Nanomateriais e Cerâmicas Avançadas (NaCA). Na época, o grupo ainda era chamado de Crescimento de Cristais e Materiais Cerâmicos (GCCMC) e tinha como coordenador o professor Antonio Carlos Hernandes, vice-reitor da USP na gestão de Vahan Agopyan (2018-2022).

De acordo com a denúncia que encaminhou à USP, MPeko passou a perceber que era vítima de atitudes discriminatórias desde o ano de 2009, quando começou “aos poucos a constatar certas dificuldades de convivência no Grupo, inclusive para desenvolver o meu trabalho de Pesquisa”.

“No início, é sempre difícil acreditar que isso seja real e esteja acontecendo com você, ou seja, comigo. Mas a suspeita foi se confirmando com o passar do tempo, sendo vítima de um sem-fim de atos depreciativos”, relata. “A situação degringolou até níveis inacreditáveis após o meu regresso da estadia de pós-doc que realizei na University of Colorado at Boulder nos EUA, no período de Agosto de 2012 a Novembro de 2014, me levando a um estresse com efeito direto na minha saúde emocional e psicológica.” Em 2018, o professor solicitou uma reunião do grupo para tratar dessa discriminação.

MPeko lista em sua denúncia episódios como “exclusão total na hora de opinar sobre questões do Grupo envolvendo finalmente tomada de decisões sobre mudanças internas, atividades, políticas internas, etc., mesmo tendo essas decisões ou atitudes impacto sobre mim e/ou meus alunos”; dificuldade para realizar atividades ligadas ao trabalho do grupo, como análises térmicas; dificuldade para ter acesso a insumos como cadinhos e certos reagentes; além de outras situações que caracteriza como boicote ou sabotagem ao seu trabalho. Sua denúncia cita nominalmente docentes e funcionários(as) do instituto que teriam protagonizado os casos apontados.

MPeko finaliza o documento, ao qual anexa cópia de várias mensagens enviadas por e-mail, incluindo as referentes à reunião que solicitou em 2018, dizendo que, dos professores do IFSC que tinham conhecimento do tema, “talvez apenas 40% (mais ou menos) manifestaram certa solidariedade (espontânea) comigo quando falei da minha intenção de levar esse assunto a instâncias superiores”. Os demais, afirma, apenas lamentaram, e houve quem chegasse a propor sua mudança para outro grupo de pesquisa. “Já entre os funcionários do IFSC/USP que sabem do assunto, reconheço que a solidariedade foi muito alta: de quase 100%.”

Resta saber qual é a atitude que a gestão Carlotti-M.Arminda, responsável pela criação da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), sempre citada no discurso oficial como modelo de avanço na luta contra todas as formas de discriminação, vai tomar diante de um caso concreto como o do professor Jean Claude MPeko.

EXPRESSO ADUSP


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