Universidade
Direção da Esalq finalmente se pronuncia sobre trote abusivo; é preciso “repensar estratégias”, aponta APG; trotistas voltaram a agir em 9/5
Após a repercussão de reportagem do Informativo Adusp Online sobre prática de trote ilegal na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), que levou o portal noticioso G1 a preparar matéria a respeito, a Diretoria da Esalq finalmente se pronunciou sobre a questão, encaminhando uma nota para aquela mídia com uma série de justificativas. Publicada no dia 9 de maio na matéria do portal G1, a nota da Diretoria contém explicações controversas, quando não inconsistentes.
A Diretoria da Esalq alega que “tomou conhecimento da movimentação de estudantes, sem, no entanto, ter recebido denúncias formais relacionadas à prática de trote ou qualquer tipo de violência”; que a “Guarda Universitária, cuja atuação tem caráter primordialmente patrimonial, mantém-se atenta a essas ocorrências, deslocando-se sempre que necessário para apuração e registro dos fatos”; que desde 2023 “não foram registradas denúncias via Disque Trote”; que convocou a “Presidência do Conselho de Repúblicas” para um diálogo sobre a proibição do trote e do assédio moral; e que no último dia 8 de maio reuniu-se com o Centro Acadêmico, “ocasião em que reforçou o posicionamento institucional contra o trote e qualquer forma de assédio ou conduta inadequada no ambiente universitário” (leia a íntegra da nota ao final deste texto).
Só nesta segunda-feira, 12 de maio, depois que a Associação de Docentes da USP (Adusp) encaminhou oficialmente à Reitoria, à Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) e às direções da Esalq e do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA) um manifesto — assinado pela própria Adusp e por sete entidades e coletivos estudantis — que exige providências contra as recorrentes práticas de trote abusivo no campus de Piracicaba da USP, é que a Diretoria da Esalq encaminhou sua nota para a associação. No entanto, as perguntas encaminhadas pelo Informativo Adusp Online no dia 6 de maio não foram respondidas.

Na sua nota, a Diretoria da Esalq deixa de citar as três leis estaduais que proíbem o trote abusivo, violento ou humilhante: 10.454/1999, 15.892/2015 e 18.013/2024. Esta última proíbe “a realização de atividades de recepção de novos estudantes, ou ao longo do ano letivo, em instituições de educação técnica e superior que envolvam coação, agressão, humilhação, discriminação por racismo, capacitismo, misoginia ou qualquer outra forma de constrangimento”, e prevê a punição das autoridades que se omitam no combate ao trote: “A instituição de ensino que se omitir ou se mostrar negligente no cumprimento das competências previstas […] será punida administrativamente […] sem prejuízo de eventuais sanções penais e civis aplicáveis aos seus dirigentes por cumplicidade”.
A reportagem teve acesso ao print de uma troca de mensagens sobre o trote ocorrida nos últimos dias 5 e 6 de maio, em grupo de WhatsApp do qual participam estudantes e também o prefeito do campus de Piracicaba, professor Luciano Mendes. Ao responder a questionamentos no grupo sobre a prática do trote e a omissão da Guarda Universitária, o prefeito demonstra preocupação: “Eu preciso conversar com a Thais sobre esta situação”, diz, referindo-se à diretora da unidade, professora Thais Maria Ferreira de Souza Vieira.
Mendes procurou justificar a atitude da Guarda de não interferir no trote por inexistir ordem por escrito neste sentido: “Situações relacionadas a alunos estão sob a égide da Diretoria da Esalq. Apesar da Guarda estar na estrutura da Prefeitura, o foco deve ser o patrimônio. Também não temos um efetivo tão grande que possa gerar [sic] uma intervenção mais hostil. Isso pode reverberar num conflito grande entre alunos e a Guarda”. Porém, ele parece reconhecer a seriedade do caso: “Mas precisamos sim tomar uma atitude, pois este número de alunos tem aumentado muito naquele local”.

Na sequência da conversa, estudantes contestam as alegações do prefeito. Um aluno lembrou que em novembro de 2024, quando o funcionamento do restaurante universitário (RUCAS) foi interrompido por problemas da empresa contratada, a Guarda compareceu com cinco viaturas para reprimir uma manifestação discente pacífica, cujos participantes apenas exigiam ser recebidos pelo próprio Mendes para negociar uma solução.
Uma estudante redarguiu: “Se a Guarda é responsabilidade da Prefeitura e os alunos são responsabilidade da direção, acabar com o trote no campus é responsabilidade mútua dos dois órgãos gestores”. Outra apontou: “É difícil pensar que a Guarda não pode fazer nada, o que parece é que os trotistas são os donos da Esalq e têm carta branca para fazer o que quiserem dentro do campus e fora também — utilizando o nome e os símbolos da Esalq”.
A nota da Diretoria apresenta como trunfo a conversa que a professora Thaís Vieira realizou, no dia 8 de maio, com cerca de 80 estudantes e com a direção do Centro Acadêmico. Mas o Informativo Adusp Online teve acesso a fotografias e um vídeo que mostram intensa atividade trotista no dia 9 de maio, nas dependências do Centro de Vivências “Luiz Hirata”, situado ao lado do prédio central. Não deixa de ser uma perversa ironia que este local tenha sido escolhido para abrigar trote abusivo, pois Hirata, agrônomo formado pela Esalq, foi assassinado pela Ditadura Militar em 1972.
Aplicativo Disque-Trote está inativo desde 4 de abril, diz APG-Esalq
A APG-Esalq publicou nota sobre o pronunciamento da Diretoria da Esalq, na qual reconhece “a importância do posicionamento institucional contrário ao trote e a qualquer forma de violência ou conduta inadequada no ambiente universitário, bem como os esclarecimentos prestados pela gestão sobre os mecanismos de denúncia e medidas disciplinares em vigor”, mas manifesta “preocupação com a persistência de práticas que contrariam as normativas da USP e do Estado de São Paulo e os princípios de inclusão e pertencimento que a universidade se propõe a promover”.
No entender da APG-Esalq, “os esforços da Comissão de Recepção ao Ingressante e das demais instâncias envolvidas são válidos, mas ainda insuficientes diante da recorrência de relatos informais e da cultura de trote” que resiste no cotidiano da unidade. “Considera-se ainda problemático o fato de o aplicativo destinado a denúncias [Disque Trote] estar inativo fora do período de funcionamento (17/1/2025 até 4/4/2025), o que inviabiliza qualquer registro formal em outras épocas do ano, principalmente no dia 13 de maio em questão. Além disso, o fato de não haver denúncias formais pode ser um possível indicativo de silenciamento, medo de retaliações ou descrença nos canais institucionais” (destaques nossos).
Assim, prossegue a nota, há necessidade de “repensar as estratégias de denúncia, prevenção, acolhimento e apuração dessas situações que ocorrem ano após ano dentro e fora do campus”, razão pela qual a entidade propõe as seguintes ações:
- “revisar, divulgar e fortalecer os canais de denúncia, garantindo um canal 24h aberto à denúncia durante todo o ano, o anonimato das vítimas, proteção e acompanhamento das vítimas por equipe capacitada, com suporte psicológico e, se necessário, jurídico”;
- “criação de um observatório permanente de práticas de recepção e convivência estudantil, com participação ativa de representantes discentes da graduação e pós-graduação, servidores e docentes, para monitorar os registros de denúncias e propor ações de enfrentamento contínuo”;
- “capacitação obrigatória para todos os estudantes sobre assédio moral, violência simbólica, racismo estrutural e direitos estudantis”;
- “responsabilização e punição efetiva dos estudantes e docentes que aplicam trote dentro e fora do campus, com penalidades por descumprirem as normativas da USP e do Estado de São Paulo”;
- “transparência sobre as medidas disciplinares aplicadas, resguardando o sigilo necessário, mas sinalizando à comunidade que há responsabilização efetiva nos casos apurados”.
Íntegra da nota emitida pela Diretoria da Esalq
A Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP) informa que tomou conhecimento da movimentação de estudantes, sem, no entanto, ter recebido denúncias formais relacionadas à prática de trote ou qualquer tipo de violência. A Guarda Universitária, cuja atuação tem caráter primordialmente patrimonial, mantém-se atenta a essas ocorrências, deslocando-se sempre que necessário para apuração e registro dos fatos.
A Esalq adota, de forma preventiva, uma série de medidas para coibir o trote. O planejamento tem início no ano anterior ao ingresso dos calouros, com ações organizadas pela Comissão de Recepção ao Ingressante. Essa comissão é composta por representantes da Comissão de Graduação, coordenações de curso, Serviço Social e Comissão de Inclusão e Pertencimento, entre outros. O grupo é responsável por preparar campanhas educativas e materiais de conscientização que reforçam a proibição do trote, conforme estabelece a legislação estadual vigente.
Desde 2023, não foram registradas denúncias via Disque Trote. Ainda assim, a Esalq reforça que é fundamental que toda ocorrência seja devidamente registrada por meio dos canais oficiais, permitindo a apuração e a adoção das providências cabíveis. Alunos envolvidos em casos confirmados são notificados sobre a infração disciplinar, que é registrada em seus históricos acadêmicos. Em caso de reincidência, a penalidade pode ser agravada, resultando em suspensão ou até desligamento do estudante, conforme o Regimento Disciplinar da Universidade.
A partir do episódio relatado no dia 5 de maio de 2025, a Diretoria da Esalq convocou a Presidência do Conselho de Repúblicas para um diálogo sobre a proibição do trote e do assédio moral, destacando o vínculo entre essas práticas. No dia 8 de maio, a diretora da unidade, professora Thais Vieira, esteve presente em reunião no Centro Acadêmico, com a participação de aproximadamente 80 estudantes, ocasião em que reforçou o posicionamento institucional contra o trote e qualquer forma de assédio ou conduta inadequada no ambiente universitário.
A Esalq reafirma seu compromisso com a promoção de um ambiente acadêmico seguro, respeitoso e acolhedor para todos os seus estudantes.
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