Carreira docente
Opinião: “Sobre a arte de vender o pescoço para comprar cordas: penduricalhos, bonificações e prêmios”
“A imagem que tenho é de que estão oferecendo uma solução que acaba com a carreira, joga uma multidão de trabalhadores e trabalhadoras da USP do passado, presente e futuro na bacia das almas e celebra a universidade empreendedora e liberal que esta Reitoria deseja com todas as forças”, aponta neste artigo o professor Manoel Fernandes de Sousa Neto, livre-docente do Departamento de Geografia da FFLCH
A carreira não começa quando entramos nela e não termina quando dela saímos. Essa é uma das mais brilhantes lições do livro A Corrosão do Caráter, de Richard Sennett.
A USP tem sido prodigiosa em destruir a carreira dos trabalhadores e das trabalhadoras, e por decorrência a própria universidade. A tática é sempre a mesma: começa com o massacre do arrocho salarial, o que faz uma multidão de endividados correr aos agiotas oficiais ou oficiosos para continuar a pagar as contas correntes, como aquelas do supermercado.
Aí, alguém que nunca explicou direito o negócio das fundações privadas dentro de uma universidade pública, para apaziguar os ânimos, oferece um respiro, um troco, um alívio momentâneo.
O bálsamo é sempre dinheiro pouco, fácil e rápido, que não tenha amarras salariais, não vá ser contabilizado nas aposentadorias e resulte em rasgar faturas antigas para que se realizem novas asfixias. Um crédito à morte, para lembrar Anselmo Jappe. E os exemplos, pouco nobres, são muitos e se tornaram uma espécie de lugar-comum naturalizado.
Desde que giram antigos Rodas, passamos por um esticar de carreira para criar níveis intermediários, com aquela promessa de que todos um dia ascenderiam horizontalmente ao próximo patamar, para depois anunciarem que apenas os adaptados a certas regras de produtividade poderiam fazê-lo, criando uma cizânia fratricida nas cozinhas dos departamentos.
Isso já viera na esteira de ondas de demissão voluntárias para os colegas não docentes, onde quem ficou passou a trabalhar triplicado, com contratação de estagiários precarizadíssimos e regulações draconianas de cumprimento de horários.
A lista de penduricalhos é enorme como os cartões-alimentação que passaram a fazer parte da dieta. Há pouco, depois de desmantelarem o Hospital Universitário da USP, ofereceram seguros privados ou ajuda para pagá-los. Anunciaram prêmios de final de ano, como se faz no mercado corporativo, para que nos vejamos como bons empreendedores.
Ao mesmo tempo, congelaram salários mesmo antes da pandemia, denegaram o acesso aos quinquênios, sendo mais LC 173/2020 que o próprio presidente fascista, e não corrigiram sequer as perdas inflacionárias do último período.
Agora a Reitoria aparece, escudada sobre os ombros dos intitulados “jovens”, para propor que joguemos a carreira, o passado e o futuro no lixo da história – e mais, como se estivessem a fazer uma grande obra de caridade e praticando uma espécie de filantropia, sob o argumento de manter cérebros brilhantes?
Perdoem, a imagem que tenho é de que estão oferecendo uma solução que acaba com a carreira, joga uma multidão de trabalhadores e trabalhadoras da USP do passado, presente e futuro na bacia das almas e celebra a universidade empreendedora e liberal que esta Reitoria deseja com todas as forças.
A Reitoria precisa, no entanto, tirar do caminho pelo menos duas pedras sindicais de seus sapatos: a Adusp e o Sintusp.
O que querem são nossos pescoços, e estão a nos oferecer algum respiro para cruzarmos os últimos degraus do cadafalso.
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